sábado, fevereiro 26
Na banca de revistas, descubra as diferenças
Lá estão elas, ordenadas por temas. As de ciência estão naquele canto: a Dossiers La Recherche, sobre o legado de Einstein, lembrando-nos dos 100 anos da teoria da relatividade e da comemoração do ano internacional da física. Por outro lado (mas logo ao lado...), a Espiritismo e Ciência fala-nos sobre "alma e matéria" e sobre "centros de força: como o corpo pode absorver e usar energias etéricas". Por ali estão também a American Scientist, a Science et Vie, a Esotérica, a Science et Vie Junior, a Sexto Sentido, a Astronomy Now, a Universo Espírita...
Que não haja enganos, algumas dessas revistas poderiam estar no canto oposto da loja. Bem, a luta continua...
Que não haja enganos, algumas dessas revistas poderiam estar no canto oposto da loja. Bem, a luta continua...
sexta-feira, fevereiro 25
Dos genes ao envelhecimento passando pelo temível cancro
Uma excelente entrevista a Sobrinho Simões esta semana na Visão: a ciência ao alcance de todos sem por isso perder o rigor.
Bom fim de semana e boas leituras.
Bom fim de semana e boas leituras.
quinta-feira, fevereiro 24
Porque eu hoje acordei assim
Meu alvoroço de oiro e lua
Tinha por fim que transbordar...
- Caiu-me a Alma ao meio da rua,
E não a posso ir apanhar!
Mário de Sá Carneiro
Tinha por fim que transbordar...
- Caiu-me a Alma ao meio da rua,
E não a posso ir apanhar!
Mário de Sá Carneiro
Mário de Sá Carneiro
Era eu aluno do quarto ano de medicina contou-me Egas Moniz que um dia o procurara no Consultório um doente jovem, português residente em Paris e que regressara a Lisboa porque deflagrara a guerra entre a França e a Alemanha, início da Primeira Grande Guerra, 1914-1918, do Século XX. Egas Moniz ouviu-o aguçado pelo interesse crescente que a personagem lhe despertava e,cinquenta anos depois, apoiado na sua enorme experiência da natureza humana, descreveu-mo e relatou-me o diálogo aproximadamente assim: Era um homem ligeiramente obeso, de rosto redondo com um olhar inteligente e triste. Tinha uma estatura superior à média dos portugueses. Dizia ser estudante em Paris e não era a primeira vez que consultava um neurologista. Tinha consultado outros em Paris. Descrevia com facilidade as manifestações que o atormentavam. Tinha uma linguagem muito expressiva e que denunciava cultura. Apercebe-se que havia um fosso entre a infância e a maturidade, uma manifesta ausência de identidade, aparente incoerência de pensamento e, obviamente, pensamento delirante. A certa altura disse-me: «Sabe doutor, por vezes sinto um desdobramento da minha pessoa. Mas não é apenas um desdobramento psicológico mas é igualmente um desdobramento físico».Interrompi-o: «O que me descreve faz-me lembrar um poema que recentemente li numa revista literária portuguesa Orfeu e, que diz mais ou menos isto: Despegam-se-me os braços que vestidos de casaca vão ao baile do Vice-Rei.» E, o doente surpreendentemente respondeu: «Mas esse poema fui eu que o escrevi!.» Ao ler o poema suspeitei ser uma manifestação literária e artística de um esquizofrénico.
E.Macieira Coelho, Acta médica portuguesa 2001;14,33-42
E.Macieira Coelho, Acta médica portuguesa 2001;14,33-42
quarta-feira, fevereiro 23
A vida segundo Joe Gould
“Sou a maior autoridade dos Estados Unidos”, diz ele [Joe Gould], “em matéria de viver sem nada”. Diz às pessoas que vive de “ar, amor próprio, beatas de cigarros, café de cowboy, sanduíches de ovo, e ketchup”.
... Quando come uma sanduíche , costuma esvaziar uma ou duas garrafas de ketchup no prato e come-o às colheradas. .... “Não é que goste especialmente desta porcaria”, diz ele, “mas tenho por norma comer tudo o que venha à mão. Que eu saiba, é a única coisa que se pode comer à borla.”
O Segredo de Joe Gould , de Joseph Mitchell, é um livro maravilhoso, hilariante e comovente, e não sou só eu que o digo. Os seus admiradores vão desde Amtónio Lobo Antunes, que faz o prefácio da edição da D. Quixote, a Salmon Rushie ou Ian McEwan.
Joe Gould, um sem-abrigo licenciado em Harvard possui toda a dignidade e sabedoria do mundo:
“Se o Sr. Chrysler quisesse dar-me de presente o Edifício Chrysler”, diz ele, “punha-me logo a milhas nem que tivesse que partir o pescoço. Não era eu a possuí-lo; ele é que me possuía a mim. Lá para os meus lados, em Massachusetts haviam de me chamar um velho ianque chanfrado. Aqui chamam-me boémio. Terei seis de um, meia dúzia de outro.”
... Quando come uma sanduíche , costuma esvaziar uma ou duas garrafas de ketchup no prato e come-o às colheradas. .... “Não é que goste especialmente desta porcaria”, diz ele, “mas tenho por norma comer tudo o que venha à mão. Que eu saiba, é a única coisa que se pode comer à borla.”
O Segredo de Joe Gould , de Joseph Mitchell, é um livro maravilhoso, hilariante e comovente, e não sou só eu que o digo. Os seus admiradores vão desde Amtónio Lobo Antunes, que faz o prefácio da edição da D. Quixote, a Salmon Rushie ou Ian McEwan.
Joe Gould, um sem-abrigo licenciado em Harvard possui toda a dignidade e sabedoria do mundo:
“Se o Sr. Chrysler quisesse dar-me de presente o Edifício Chrysler”, diz ele, “punha-me logo a milhas nem que tivesse que partir o pescoço. Não era eu a possuí-lo; ele é que me possuía a mim. Lá para os meus lados, em Massachusetts haviam de me chamar um velho ianque chanfrado. Aqui chamam-me boémio. Terei seis de um, meia dúzia de outro.”
Civilização
Avião vai libertar compostos químicos na atmosfera para fazer chover.
Antigamente havia outros métodos:
Conta-se que num país muito longínquo se estava a passar por um período de grandes secas, muito piores do que esta agora, aqui no nosso Portugal-Rosa. Já não havia água nem para lavar os pés antes de ir para a cama. E como sempre nestas alturas críticas chega um forasteiro à cidade. E o forasteiro diz “tragam-me um alguidar com água que eu farei chover”. E o povo incrédulo, mas desesperado, traz o alguidar com água. E o forasteiro tira a camisa e pega num bocado de sabão e começa a lavar vagarosa e cuidadosamente a camisa, e no fim diz “preciso de água limpa para tirar o sabão à camisa”. O povo incrédulo, indignado, mas desesperado, faz das tripas coração, como só o povo sabe fazer, e traz água limpa. E o forasteiro cheio de vagares passa a camisa por água até sair todo o sabão, “agora preciso de uma corda para estender a camisa a secar”. E o povo ensina-lhe o sítio da corda. E mal a camisa é colocada no estendal, começa a chover torrencialmente. Porque sempre chove quando se põe a roupa a secar.
Antigamente havia outros métodos:
Conta-se que num país muito longínquo se estava a passar por um período de grandes secas, muito piores do que esta agora, aqui no nosso Portugal-Rosa. Já não havia água nem para lavar os pés antes de ir para a cama. E como sempre nestas alturas críticas chega um forasteiro à cidade. E o forasteiro diz “tragam-me um alguidar com água que eu farei chover”. E o povo incrédulo, mas desesperado, traz o alguidar com água. E o forasteiro tira a camisa e pega num bocado de sabão e começa a lavar vagarosa e cuidadosamente a camisa, e no fim diz “preciso de água limpa para tirar o sabão à camisa”. O povo incrédulo, indignado, mas desesperado, faz das tripas coração, como só o povo sabe fazer, e traz água limpa. E o forasteiro cheio de vagares passa a camisa por água até sair todo o sabão, “agora preciso de uma corda para estender a camisa a secar”. E o povo ensina-lhe o sítio da corda. E mal a camisa é colocada no estendal, começa a chover torrencialmente. Porque sempre chove quando se põe a roupa a secar.
segunda-feira, fevereiro 21
Porque acordei a trautear estes versos
Apesar de terem sido escritos para alegrias e esperanças muito maiores.
E então olhei à minha volta
vi tanta esperança andar à solta
que não hesitei
e os hinos que cantei
foram feitos do meu coração
feitos de alegria e de paixão
Josá Mario Branco
E então olhei à minha volta
vi tanta esperança andar à solta
que não hesitei
e os hinos que cantei
foram feitos do meu coração
feitos de alegria e de paixão
Josá Mario Branco
sexta-feira, fevereiro 18
Tempo para reflectir
Kandinskii: several circles
quinta-feira, fevereiro 17
O Belas
No Porto os cafés, cafés, são diferentes. Ou pelo menos são diferentes os que eu recordo, que há muito que já lá não vou. No Porto,os cafés, cafés, que eu recordo tinham as salas apinhadas de fumo (às vezes recordo com saudade os tempos em que até o fumo dos cigarros não era assim tão mau) e as mesas apinhadas de livros. Em tempos de exame ia-se para o café de manhã, pelo menos aqueles que acordam de manhã, que os outros apareciam lá mais para perto da hora do almoço, estendiam-se os livros em cima da mesma mesa, pedia-se o cimbalino, o SG-filtro e o copo de água e por ali se ficava o dia inteiro. Nunca estudei no Porto, mas sei que era assim, a minha amiga P. vivia lá e eu visitava-a. A minha amiga P. estudava no Café Belas Artes, ia para lá de manha, pedia o cimbalino, o SG-filtro e o copo de água e por ali ficava. Estudava a sério, conversava de vez em quando com quem entrava, voltava a estudar.Às vezes dizia, vamos dar uma volta a Santa Catarina para desopilar? Então, e os livros? Os livros ficam aí, cá estarão quando voltarmos.
quarta-feira, fevereiro 16
Mundo de bolso
Mais tarde ou mais cedo, algo tão simples como o Google Maps tinha de aparecer, de preferência no telemóvel. Mais tarde em Portugal, mais cedo nos EUA. Onde fica a pizzaria mais próxima? Como chego lá? Faz-me um mapa decente com os hoteis de Paris, Texas ("hotels in Paris, TX"). Suspiro...
Porque há muito mais coisas entre o céu e a terra
"Os dados sobre o estado do mundo foram coligidos pela Caritas Italiana no estudo «Os conflitos esquecidos e as guerras sem tempo». A conclusão mais surpreendente – e a mais alarmante – é que, numa guerra, por cada militar que é morto, morrem mais de nove civis. Por outras palavras, mais de 90 por cento das baixas são civis.
O Iraque é um exemplo clamoroso e explosivo deste drama. Segundo a revista médica britânica The Lancet, a «guerra contra o terrorismo» que as forças americanas e aliadas travam em solo iraquiano desde Março de 2003 já matou mais de 100 mil civis. A lista das vítimas mortais entre as tropas invasoras não chega às duas mil. E o país está a tornar-se num amontoado de escombros, onde conseguir sobreviver é quase um milagre. Basta olhar para o que resta de Falluja. Basta recordar o depoimento de um GNR português que, ao regressar há dias de Nassíria, dizia que o que mais lhe custou foi ver as crianças, descalças em pleno Inverno, a pedir qualquer coisa para comer.
Os conflitos armados, além de um rasto de morte e de destruição, deixam feridas invisíveis. O balanço: 11,9 milhões de refugiados, 23,6 milhões de deslocados internos e mais de mil milhões de pessoas com distúrbios psicológicos. E é a mulher quem paga a factura mais pesada. Além de ser usada na guerra, sofre violações e outras formas de violência e humilhação. 83 por cento do tráfico de mulheres e meninas ocorre em zonas de conflito; um quinto das mulheres ruandesas foram violadas durante o genocídio de 1994. Onde se desenha a fronteira entre a guerra e a paz? O terrorismo tornou-se num fenómeno global. Os governos sentem-se vulneráveis e tentam proteger-se fechando as fronteiras e aumentando os gastos com a defesa à custa dos orçamentos para a saúde e educação. A doutrina americana dos ataques preventivos insere-se neste mito da invulnerabilidade. Os resultados estão à vista. Multiplicam-se os cenários de guerra, mas a insegurança aumenta.
Carmen Magallón, directora do Seminario de Investigación para la Paz, de Saragoça, propõe uma abordagem alternativa. Para ela, há que aceitar a vulnerabilidade como inevitável e criar um cenário em que cada vez menos pessoas vejam o terrorismo como a sua opção mais viável. Isto significa ultrapassar «o predomínio da lógica da acumulação económica e de poder que rege as relações internacionais», para optar por uma dinâmica de interdependência e de sustentabilidade da vida. Ou seja, é pelo reconhecimento de que todos dependemos de todos, de que a vida de todos é o valor mais precioso para todos e cada um de nós que passa a verdadeira fronteira da paz."
José Vieira in Além-mar
nota - os sublinhados são meus
O Iraque é um exemplo clamoroso e explosivo deste drama. Segundo a revista médica britânica The Lancet, a «guerra contra o terrorismo» que as forças americanas e aliadas travam em solo iraquiano desde Março de 2003 já matou mais de 100 mil civis. A lista das vítimas mortais entre as tropas invasoras não chega às duas mil. E o país está a tornar-se num amontoado de escombros, onde conseguir sobreviver é quase um milagre. Basta olhar para o que resta de Falluja. Basta recordar o depoimento de um GNR português que, ao regressar há dias de Nassíria, dizia que o que mais lhe custou foi ver as crianças, descalças em pleno Inverno, a pedir qualquer coisa para comer.
Os conflitos armados, além de um rasto de morte e de destruição, deixam feridas invisíveis. O balanço: 11,9 milhões de refugiados, 23,6 milhões de deslocados internos e mais de mil milhões de pessoas com distúrbios psicológicos. E é a mulher quem paga a factura mais pesada. Além de ser usada na guerra, sofre violações e outras formas de violência e humilhação. 83 por cento do tráfico de mulheres e meninas ocorre em zonas de conflito; um quinto das mulheres ruandesas foram violadas durante o genocídio de 1994. Onde se desenha a fronteira entre a guerra e a paz? O terrorismo tornou-se num fenómeno global. Os governos sentem-se vulneráveis e tentam proteger-se fechando as fronteiras e aumentando os gastos com a defesa à custa dos orçamentos para a saúde e educação. A doutrina americana dos ataques preventivos insere-se neste mito da invulnerabilidade. Os resultados estão à vista. Multiplicam-se os cenários de guerra, mas a insegurança aumenta.
Carmen Magallón, directora do Seminario de Investigación para la Paz, de Saragoça, propõe uma abordagem alternativa. Para ela, há que aceitar a vulnerabilidade como inevitável e criar um cenário em que cada vez menos pessoas vejam o terrorismo como a sua opção mais viável. Isto significa ultrapassar «o predomínio da lógica da acumulação económica e de poder que rege as relações internacionais», para optar por uma dinâmica de interdependência e de sustentabilidade da vida. Ou seja, é pelo reconhecimento de que todos dependemos de todos, de que a vida de todos é o valor mais precioso para todos e cada um de nós que passa a verdadeira fronteira da paz."
José Vieira in Além-mar
nota - os sublinhados são meus
terça-feira, fevereiro 15
Boa!
A ABA em destaque no Bomba Inteligente. E tem música! Obrigada Charlotte.
Estranhos são os designíos de Deus
Que a pastorinha-vidente de Fátima houvesse, depois de morta, de servir de pano de fundo ao Jornal Nacional.
A minha amiga carmelita
A C. foi das minhas primeiras amigas, conhecemo-nos na primária e só nos largámos quando os meus pais decidiram mudar de terra e nós os filhos não tivémos outra hipótese senão ir atrás deles. Eu e a C. corríamos a cidade (bons tempos em que isso era permitido às crianças) e tínhamos sempre coisas interessantes para fazer. Quando penso na super-protecção dos meninos e meninas de hoje, chego à conclusão de que eu e a C. démos muito que fazer ao nosso anjo-da-guarda. Ou então, já era o destino. A C. tinha 3 irmãos, um pai professor de liceu, uma mãe farmacêutica, tudo muito normal. De assinalar só os cuidados exagerados que a mãe tinha para que os filhos não se constipassem: quando ia chamar a C. de manhã, tinha que esperar, com a falta de paciência própria de uma míuda de 7 ou 8 anos, que a mãe aquecesse no aquecedor toda e qualquer peça de roupa que a C. fosse vestir (vivíamos numa cidade fria, mas aquilo era um absurdo) e lhe pusesse mais um gorro e umas luvas e um casaquinho...
Andávamos no ciclo quando mudei de terra. Mais tarde, encontrámo-nos na universidade, cada uma na sua vida, nada a assinalar, fez bioquímica.
Depois da universidade fui sabendo dela a intervalos irregulares: estava a dar aulas em Lisboa, estava no Botswana como voluntária numa ONG, ou qualquer coisa do género.
Dois ou três anos passados encontro um irmão “e então a C., está boa? ainda está no Botswana?”. Não, já não estava no Botswana, a minha amiga C, a minha companheira das brincadeiras mais estapafúrdias e perigosas, estava em clausura, tinha entrado no carmelo.
Andávamos no ciclo quando mudei de terra. Mais tarde, encontrámo-nos na universidade, cada uma na sua vida, nada a assinalar, fez bioquímica.
Depois da universidade fui sabendo dela a intervalos irregulares: estava a dar aulas em Lisboa, estava no Botswana como voluntária numa ONG, ou qualquer coisa do género.
Dois ou três anos passados encontro um irmão “e então a C., está boa? ainda está no Botswana?”. Não, já não estava no Botswana, a minha amiga C, a minha companheira das brincadeiras mais estapafúrdias e perigosas, estava em clausura, tinha entrado no carmelo.
segunda-feira, fevereiro 14
Uma Campanha Alegre (há mais de um século)
Não o nega decerto o parlamento onde todos os dias ministros, maiorias e oposições, dizem que o País está desorganizado.
Não o nega decerto a imprensa, que todos os dias declara que o sistema constitucional está desautorizado! (Diário Popular, Jornal do Comércio, Gazeta, etc., passim).
Não o nega a opinião, que todos os dias exclama, com uma certa convicção desleixada, nos cafés, nas ruas, nos passeios, nos estancos: - Ora! isto está podre!
Quando a opinião, tão geral, diz que um país está perdido dentro de um sistema, coloca-se por essa mesma confissão fora do sistema, e deseja, por uma propaganda nova, uma reforma social.
Sejamos lógicos. As Farpas não são o legitimismo, nem a república, nem o constitucionalismo, nem o sebastianismo. Desejam simplesmente ser a lógica e o bom senso.
Vejamos: não tem a imprensa confessado todos os dias a podridão do País e a desorganização das suas forças vivas? (Jornais políticos, passim).
Ou são sinceros, ou não. Se não são, então faltam duplamente à dignidade, porque desconsideram os outros enganando-os, e desconsideram-se a si mentindo. São perturbadores de profissão: querem lançar, de caso pensado, o cepticismo no espírito público, para o interesse da sua intriga. Pertencem portanto ao ministério público. - Se são sinceros então devem estar radiantes de alegria, porque têm essa propaganda nova que implicitamente pediam.
Não vemos nós os ministérios dissolvendo câmaras, depois de lhes experimentarem um momento de inteligência - Outra, que esta não presta!?
Não vemos os partidos, em quem deve residir a consciência do Estado, derrubarem todos os dias ministérios, como um homem que num chapeleiro experimenta chapéus - Outro, que este não serve?
Eça de Queiroz, Uma Campanha Alegre in “As Farpas”
Não o nega decerto a imprensa, que todos os dias declara que o sistema constitucional está desautorizado! (Diário Popular, Jornal do Comércio, Gazeta, etc., passim).
Não o nega a opinião, que todos os dias exclama, com uma certa convicção desleixada, nos cafés, nas ruas, nos passeios, nos estancos: - Ora! isto está podre!
Quando a opinião, tão geral, diz que um país está perdido dentro de um sistema, coloca-se por essa mesma confissão fora do sistema, e deseja, por uma propaganda nova, uma reforma social.
Sejamos lógicos. As Farpas não são o legitimismo, nem a república, nem o constitucionalismo, nem o sebastianismo. Desejam simplesmente ser a lógica e o bom senso.
Vejamos: não tem a imprensa confessado todos os dias a podridão do País e a desorganização das suas forças vivas? (Jornais políticos, passim).
Ou são sinceros, ou não. Se não são, então faltam duplamente à dignidade, porque desconsideram os outros enganando-os, e desconsideram-se a si mentindo. São perturbadores de profissão: querem lançar, de caso pensado, o cepticismo no espírito público, para o interesse da sua intriga. Pertencem portanto ao ministério público. - Se são sinceros então devem estar radiantes de alegria, porque têm essa propaganda nova que implicitamente pediam.
Não vemos nós os ministérios dissolvendo câmaras, depois de lhes experimentarem um momento de inteligência - Outra, que esta não presta!?
Não vemos os partidos, em quem deve residir a consciência do Estado, derrubarem todos os dias ministérios, como um homem que num chapeleiro experimenta chapéus - Outro, que este não serve?
Eça de Queiroz, Uma Campanha Alegre in “As Farpas”
Tudo o que você sempre quis saber sobre genes e células cancerosas – Isto é serviço público
Mutações ou outros tipos de alterações nos genes que controlam a divisão e o crescimento celulares podem dar origem a uma célula cancerosa. A estes genes mutantes dá-se o nome de oncogenes. Conhecem-se hoje mais de cem oncogenes diferentes.
Felizmente apenas uma pequeníssima fracção de células mutantes vai originar um cancro e para isso concorrem várias razões:
1 – A maioria das células mutantes tem menor capacidade de sobrevivência e simplesmente morre.
2- Das células mutantes que sobrevivem apenas uma pequena minoria se torna cancerosa, já que as próprias células possuem sistemas de controlo, que actuam em feedback, e que as impedem de crescer.
3- O sistema imune tem a capacidade de eliminar estas células potencialmente cancerosas. Isto passa-se do seguinte modo: as células em que ocorreram mutações formam proteínas anómalas e estas proteínas, como corpos estranhos, activam o sistema imune levando à formação de anticorpos e de linfócitos sensibilizados que destroem as próprias células.
4- Para que se forme um tumor maligno é necessária a presença simultânea de mais do que um oncogene . Por exemplo, um determinado gene pode provocar a rápida divisão da linha celular, mas para que o cancro se instale é necessário que exista outro oncogene que promova a formação de novos vasos sanguíneos que alimentem estas células.
Sabendo que estas mutações ocorrem durante a divisão celular e replicação do DNA (molécula que carrega a informação genética); sabendo que por ano se formam vários triliões de células no corpo humano, o espanto é, porque é que não se formam em cada organismo milhões ou mesmo biliões de células cancerosas? A resposta está na maravilhosa e incrível precisão com que se processa a replicação genética em cada célula antes que esta se divida e dê origem a duas células filhas. A resposta está também na espantosa eficácia dos mecanismos de reparação do DNA que actuam antes que seja permitido à célula dividir-se. Assim, é quase tudo uma questão de sorte*, uma lotaria que na grande, na enorme, maioria dos casos nos é favorável.
Se quiser saber mais: Guyton & Hall “Textbook of Medical Physiology” e referências incluídas nesse texto.
*No entanto a probabilidade de ocorrência de mutações pode aumentar se a pessoa for expostas a factores físicos, químicos ou biológicos tais como: determinados níveis de radiação ionizante, algumas substâncias químicas (como as presentes no fumo do tabaco), alguns tipos de vírus. Nalguns casos a hereditariedade também pesa.
Felizmente apenas uma pequeníssima fracção de células mutantes vai originar um cancro e para isso concorrem várias razões:
1 – A maioria das células mutantes tem menor capacidade de sobrevivência e simplesmente morre.
2- Das células mutantes que sobrevivem apenas uma pequena minoria se torna cancerosa, já que as próprias células possuem sistemas de controlo, que actuam em feedback, e que as impedem de crescer.
3- O sistema imune tem a capacidade de eliminar estas células potencialmente cancerosas. Isto passa-se do seguinte modo: as células em que ocorreram mutações formam proteínas anómalas e estas proteínas, como corpos estranhos, activam o sistema imune levando à formação de anticorpos e de linfócitos sensibilizados que destroem as próprias células.
4- Para que se forme um tumor maligno é necessária a presença simultânea de mais do que um oncogene . Por exemplo, um determinado gene pode provocar a rápida divisão da linha celular, mas para que o cancro se instale é necessário que exista outro oncogene que promova a formação de novos vasos sanguíneos que alimentem estas células.
Sabendo que estas mutações ocorrem durante a divisão celular e replicação do DNA (molécula que carrega a informação genética); sabendo que por ano se formam vários triliões de células no corpo humano, o espanto é, porque é que não se formam em cada organismo milhões ou mesmo biliões de células cancerosas? A resposta está na maravilhosa e incrível precisão com que se processa a replicação genética em cada célula antes que esta se divida e dê origem a duas células filhas. A resposta está também na espantosa eficácia dos mecanismos de reparação do DNA que actuam antes que seja permitido à célula dividir-se. Assim, é quase tudo uma questão de sorte*, uma lotaria que na grande, na enorme, maioria dos casos nos é favorável.
Se quiser saber mais: Guyton & Hall “Textbook of Medical Physiology” e referências incluídas nesse texto.
*No entanto a probabilidade de ocorrência de mutações pode aumentar se a pessoa for expostas a factores físicos, químicos ou biológicos tais como: determinados níveis de radiação ionizante, algumas substâncias químicas (como as presentes no fumo do tabaco), alguns tipos de vírus. Nalguns casos a hereditariedade também pesa.
Todos os anos
Na minha rua as ameixoeiras floriram.
Vicent van Gogh
Vicent van Gogh
Coisas simples a azul e ouro
Joan Miró
Formas de calar - III
Apresentar queixa em tribunal pode ser uma forma extremamente eficiente de calar uma pessoa ou um grupo de pessoas. No decorrer da sua acção, a CCI moveu processos a vários cientistas (exemplo), acusando-os de difamação.
Naturalmente, qualquer pessoa tem todo o direito de defender o seu bom nome, não quero aqui discutir a validade do que levou a CCI a instaurar esses processos. Constato simplesmente que algo que deles resultou foi a capacidade de calar os cientistas visados.
Os processos em tribunais contra a participação pública são frequentes em questões ambientais e costumam ser abreviados pela sigla SLAPP (Strategic Lawsuit Against Public Participation - qualquer coisa como "acção estratégica em tribunal contra a participação pública"). Os SLAPPs são essencialmente bofetadas jurídicas: mesmo que quem mova o processo o acabe por perder, pelo menos deu a bofetada, pois ganhou a capacidade de calar (as chatices, despesas e receios que causa são enormes). Ou, dito de outro modo aqui:
In contrast to most litigation, the SLAPP suit is brought, not to resolve a problem, but to remove a controversy from the political arena-- where the developer may be loosing-- to the judicial arena where the "chill" and expense may enable the developer to seize victory from defeat.
Um dos processos acima, o primeiro conflito científico a chegar a um tribunal português, foi movido a um professor catedrático do Instituto Superior Técnico que tinha acusado a CCI de fraude científica. A CCI acusou-o de 4 crimes de difamação. Quatro anos volvidos, a CCI perdeu o processo, mas ganhou o silêncio. Às custas do contribuinte.
Naturalmente, qualquer pessoa tem todo o direito de defender o seu bom nome, não quero aqui discutir a validade do que levou a CCI a instaurar esses processos. Constato simplesmente que algo que deles resultou foi a capacidade de calar os cientistas visados.
Os processos em tribunais contra a participação pública são frequentes em questões ambientais e costumam ser abreviados pela sigla SLAPP (Strategic Lawsuit Against Public Participation - qualquer coisa como "acção estratégica em tribunal contra a participação pública"). Os SLAPPs são essencialmente bofetadas jurídicas: mesmo que quem mova o processo o acabe por perder, pelo menos deu a bofetada, pois ganhou a capacidade de calar (as chatices, despesas e receios que causa são enormes). Ou, dito de outro modo aqui:
In contrast to most litigation, the SLAPP suit is brought, not to resolve a problem, but to remove a controversy from the political arena-- where the developer may be loosing-- to the judicial arena where the "chill" and expense may enable the developer to seize victory from defeat.
Um dos processos acima, o primeiro conflito científico a chegar a um tribunal português, foi movido a um professor catedrático do Instituto Superior Técnico que tinha acusado a CCI de fraude científica. A CCI acusou-o de 4 crimes de difamação. Quatro anos volvidos, a CCI perdeu o processo, mas ganhou o silêncio. Às custas do contribuinte.
domingo, fevereiro 13
Formas de calar - II
Se não tens argumentos, chama-lhes nomes. Aconteceu de ambos os lados, mas o destaque vai para um dos elementos da CCI, como refere Carlos Ramalheira, opositor da co-incineração, no artigo "Iliteracia e co-incineração" [Público, 22 de Agosto de 2001]:
"Todos, indiscriminadamente, somos acusados de participar num complot contra a CCI e a co-incineração: "taliban 'ambientalistas'", subordinados a interesses ligados a "promoções pessoais", "politico-partidárias", ou a desígnios "paroquiais" de "famílias" (depreende-se que mafiosas...).
Em artigos anteriores os mimos não foram menores, pelo que já nos vamos habituando à grosseria: "desesperados"; "talibans caseiros"; "especialistas em saúde"; "'amigos' do ambiente"; "pseudo cientistas"; "paroquiais"; "ignorantes confrangedores"; "oráculos clarividentes"; "manipuladores"; "conspiradores"; "D. Quixotes que já nem moinhos de vento encontram para investir"; "profetas da desgraça", "inspirados no Portugal dos Pequeninos"; "irresponsáveis"; "com comportamento de crianças"; "inqualificáveis"; "intelectualmente desonestos"; "grosseiros"; "virulentos"; produtores de "frases bombásticas"; "histéricos"; "desbragados", etc., etc. "
Eu acrescentaria ainda: etc, etc, etc, etc, etc. Entrar em polémica com a CCI significa ser-se insultado em público. Que bela forma de calar. Que discussão tão científica.
"Todos, indiscriminadamente, somos acusados de participar num complot contra a CCI e a co-incineração: "taliban 'ambientalistas'", subordinados a interesses ligados a "promoções pessoais", "politico-partidárias", ou a desígnios "paroquiais" de "famílias" (depreende-se que mafiosas...).
Em artigos anteriores os mimos não foram menores, pelo que já nos vamos habituando à grosseria: "desesperados"; "talibans caseiros"; "especialistas em saúde"; "'amigos' do ambiente"; "pseudo cientistas"; "paroquiais"; "ignorantes confrangedores"; "oráculos clarividentes"; "manipuladores"; "conspiradores"; "D. Quixotes que já nem moinhos de vento encontram para investir"; "profetas da desgraça", "inspirados no Portugal dos Pequeninos"; "irresponsáveis"; "com comportamento de crianças"; "inqualificáveis"; "intelectualmente desonestos"; "grosseiros"; "virulentos"; produtores de "frases bombásticas"; "histéricos"; "desbragados", etc., etc. "
Eu acrescentaria ainda: etc, etc, etc, etc, etc. Entrar em polémica com a CCI significa ser-se insultado em público. Que bela forma de calar. Que discussão tão científica.
O que faz Dawkins perder a cabeça?
Alguém observou à mulher de Dawkins que, quando alguém pretendia discutir com ele a teoria da evolução, o marido fazia um só pergunta:
-Acredita em Deus?
Se a resposta fosse afirmativa, Dawkins virava as costas.
- O seu marido deve ter um grande temor a Deus.
- De modo nenhum. Deus é que deve ter um grande temor ao meu marido!
O interlocutor ficou de boca aberta...
[contado por Rémy Chauvin em O Darwinismo ou Fim do Mito]
-Acredita em Deus?
Se a resposta fosse afirmativa, Dawkins virava as costas.
- O seu marido deve ter um grande temor a Deus.
- De modo nenhum. Deus é que deve ter um grande temor ao meu marido!
O interlocutor ficou de boca aberta...
[contado por Rémy Chauvin em O Darwinismo ou Fim do Mito]
A cerca de oitocentos graus celsius
Os últimos números do ministério do Ambiente indicam que são produzidos em Portugal 254 mil toneladas de resíduos industriais perigosos por ano. Depois de retirados os resíduos que podem ser reciclados e aqueles que devem ser colocados em aterros sanitários controlados, sobra uma dezena ou duas de toneladas de resíduos perigosos que terão de ser incinerados, o que poderá ser feito através do processo de co-incineração. Se o fazemos nós em Portugal ou os exportamos para outros países é uma decisão política e económica e não científica.
A CCI foi criada pelo parlamento para avaliar e acompanhar o processo de co-incineração de resíduo perigosos nas cimenteiras, mas nunca os argumentos científicos convenceram ninguém que não quisesse à partida ser convencido. De qualquer forma, passados vários anos, a situação ter-se-á alterado, embora me queira parecer que a sempre urgente requalificação ambiental das cimenteiras não tenha avançado quase nada.
A ciência é um processo contínuo de criação de conhecimento. Não me parece que seja beliscada por polémicas e discussões, mesmo se azedas.
A CCI foi criada pelo parlamento para avaliar e acompanhar o processo de co-incineração de resíduo perigosos nas cimenteiras, mas nunca os argumentos científicos convenceram ninguém que não quisesse à partida ser convencido. De qualquer forma, passados vários anos, a situação ter-se-á alterado, embora me queira parecer que a sempre urgente requalificação ambiental das cimenteiras não tenha avançado quase nada.
A ciência é um processo contínuo de criação de conhecimento. Não me parece que seja beliscada por polémicas e discussões, mesmo se azedas.
sexta-feira, fevereiro 11
O regresso da ciência independente
No programa do PS pode ler-se: "será reactivada a Comissão Científica Independente para efeitos de acompanhamento e controlo de todo o processo [de co-incineração]."
Na minha humilde opinião, considero que o período em que a Comissão Científica Independente (CCI) exerceu funções foi, nos tempos mais recentes, um dos mais negros e tristes para a ciência em Portugal. Devemos esse período a Sócrates.
É altamente provável que a CCI seja reactivada com os mesmos elementos que tanta polémica causaram. Se assim for, graças a Sócrates, prevê-se nova fase de desacreditação da ciência em Portugal.
Na minha humilde opinião, considero que o período em que a Comissão Científica Independente (CCI) exerceu funções foi, nos tempos mais recentes, um dos mais negros e tristes para a ciência em Portugal. Devemos esse período a Sócrates.
É altamente provável que a CCI seja reactivada com os mesmos elementos que tanta polémica causaram. Se assim for, graças a Sócrates, prevê-se nova fase de desacreditação da ciência em Portugal.
quinta-feira, fevereiro 10
Deixem-se de tretas
E o homem disse, sou motorista e sou do Norte. E disse, deixem-se de tretas, senhores políticos do PSD e do PS (sobretudo do PS que são os que mais me interessam), deixem-se de tretas, deixem-se de boatos, de apostas e de fofoquices e falem-nos do que queremos ouvir. E disse ainda, digam-nos, senhores políticos do PSD e do PS (sobretudo do PS que são os que mais me interessam) como vamos ter mais emprego, mais educação, melhor saúde. Porque se não o fizerem terei que votar no Bloco de Esquerda. Bem Dito sr. Motorista do Norte.
quarta-feira, fevereiro 9
Quem é António Lobo Antunes?
Sim, eu sei que é um dos eternos favoritosnobel, mas não é por isso que tenho que gostar dos livros dele. Os primeiros, até li ... mas depois comecei a aborrecer-me e a desistir a meio e depois cada vez mais cedo. E dos últimos, suprema heresia, nem sequer iniciei a leitura. Já as crónicas que Lobo Antunes escreve nos jornais e nas revistas sempre me encantaram, às vezes pelas comédia de costumes de fino humor, outras pelo desconcerto, outras pela rara sensibilidade.
Mas quem assim escreve e assim se acha ...comove-me.
“Nunca colecionei nada, nunca juntei papéis, nunca guardei manuscritos: vivo do vento. Não tenho cartão multibanco, nem cartão dourado, nem cartão de visita: trago o dinheiro no bolso como os negociantes de gado e os intermediários da droga. Não me importa o que visto ou o que como, nunca bebi, não vou a jantares, e devo ser aborrecidíssimo porque não me aborreço. Em criança brincava quase sempre sózinho: continuo a brincar sózinho dentro da minha cabeça, assistindo às coisas que se fazem e desfazem continuamente nela. Não faço parte de nenhuma associação, nenhum movimento, nenhuma confraria, nenhum partido. Quase não falo e, em regra, quase não oiço. Gosto de algumas pessoas, de alguns lugares, de alguns livros. Não odeio ninguém, não invejo ninguém; não por ser bom rapaz mas por não ter tempo. Escrever é um acto que raramente associo ao prazer e que, no entanto, me leva a maior parte das horas: desconheço a razão de ser um homem de palavrinhas, colocando-as umas atrás das outras numa furiosa e mansa paciência obstinada. E não tenho mais nada a dizer a meu respeito.”
António Lobo Antunes, “O grande Borges” Revista Visão, 3 de Fevereiro 2005
Mas quem assim escreve e assim se acha ...comove-me.
“Nunca colecionei nada, nunca juntei papéis, nunca guardei manuscritos: vivo do vento. Não tenho cartão multibanco, nem cartão dourado, nem cartão de visita: trago o dinheiro no bolso como os negociantes de gado e os intermediários da droga. Não me importa o que visto ou o que como, nunca bebi, não vou a jantares, e devo ser aborrecidíssimo porque não me aborreço. Em criança brincava quase sempre sózinho: continuo a brincar sózinho dentro da minha cabeça, assistindo às coisas que se fazem e desfazem continuamente nela. Não faço parte de nenhuma associação, nenhum movimento, nenhuma confraria, nenhum partido. Quase não falo e, em regra, quase não oiço. Gosto de algumas pessoas, de alguns lugares, de alguns livros. Não odeio ninguém, não invejo ninguém; não por ser bom rapaz mas por não ter tempo. Escrever é um acto que raramente associo ao prazer e que, no entanto, me leva a maior parte das horas: desconheço a razão de ser um homem de palavrinhas, colocando-as umas atrás das outras numa furiosa e mansa paciência obstinada. E não tenho mais nada a dizer a meu respeito.”
António Lobo Antunes, “O grande Borges” Revista Visão, 3 de Fevereiro 2005
Em destaque
Formas de calar
A notícia do Diário de Coimbra do post anterior é interessante por outras razões: segundo Victor Baptista, os candidatos a deputados do PS por Coimbra aceitam todos a co-incineração, senão nem aceitariam estar nas listas. Evitam-se assim repetir o embaraço de Sócrates quando deputados do PS por Coimbra votaram no Parlamento contra a sua decisão de querer aplicar a co-incineração. Bico calado, portanto. Mesmo Teresa Portugal, "que se assumiu contra a co-incineração quando era vereadora pelo PS" e que aceitou ficar em lugar elegível pelo PS nestas eleições (5º). Vai ter de se calar, apesar de ainda há poucos meses dizer, quando Manuel Vilar [vereador do PS em Coimbra] passou para o lado de Sócrates durante a campanha para secretário-geral do PS:
«Há pessoas que perdem a memória com uma grande velocidade. E é aí que os militantes se distinguem: uns respeitam os compromissos, outros traem-nos à primeira oportunidade»
«Há pessoas que perdem a memória com uma grande velocidade. E é aí que os militantes se distinguem: uns respeitam os compromissos, outros traem-nos à primeira oportunidade»
A falta de coragem de Sócrates
"Confrontado pelo DC se haveria algum regime partidário que comprometesse
os futuros deputados socialistas a aceitar a co-incineração, Victor
Baptista foi claro: depois da «coragem» do secretário-geral em assumir a
queima de resíduos industriais perigosos nas cimenteiras, quem estivesse
contra não se devia ter disponibilizado sequer para integrar a lista.
Implicitamente, todos os membros da lista se revêem na intenção de José
Sócrates. As regras do jogo são, portanto, conhecidas. Depois, os
deputados «não poderão alegar desconhecimento»." [Diário de Coimbra]
Temos de ser mesmo claros: Sócrates não está a ser corajoso ao voltar à questão da co-incineração. Pelo contrário: ela rende a nível nacional muitos mais votos do que os que são perdidos em Coimbra - o saldo é largamente positivo. A co-incineração volta por motivos eleitorais e de imagem pessoal e não por ser necessária. A suposta coragem de Sócrates não passa de marketing.
Aceitar publicamente que se possa estar errado, isso sim, é corajoso e algo de raro nos nossos políticos, mas não é algo que Sócrates pareça ser capaz de fazer.
os futuros deputados socialistas a aceitar a co-incineração, Victor
Baptista foi claro: depois da «coragem» do secretário-geral em assumir a
queima de resíduos industriais perigosos nas cimenteiras, quem estivesse
contra não se devia ter disponibilizado sequer para integrar a lista.
Implicitamente, todos os membros da lista se revêem na intenção de José
Sócrates. As regras do jogo são, portanto, conhecidas. Depois, os
deputados «não poderão alegar desconhecimento»." [Diário de Coimbra]
Temos de ser mesmo claros: Sócrates não está a ser corajoso ao voltar à questão da co-incineração. Pelo contrário: ela rende a nível nacional muitos mais votos do que os que são perdidos em Coimbra - o saldo é largamente positivo. A co-incineração volta por motivos eleitorais e de imagem pessoal e não por ser necessária. A suposta coragem de Sócrates não passa de marketing.
Aceitar publicamente que se possa estar errado, isso sim, é corajoso e algo de raro nos nossos políticos, mas não é algo que Sócrates pareça ser capaz de fazer.
terça-feira, fevereiro 8
Livros escolares
Uma das medidas eleitoralistas com que o actual governo de gestão nos brindou a poucos dias das eleições foi a dos livros escolares gratuitos.
Poderia ser uma boa ideia, mas sabem por que razão ainda não vimos as editoras (ou pelo menos aquelas editoras que têm o monopólio dos livros escolares) a protestar? A razão é simples: os livros não podem passar para o ano seguinte porque estão cheios de espaços para preencher. E nem uns alunos querem deixar de escrever, nem os outros querem livros escritos! Sei-o por experiência própria. Tenho dois filhos em anos seguidos e nunca consegui que um só livro passasse para o ano seguinte!
A solução séria, que este governo provavelmente não iria tomar, é garantir que os livros escolares sejam mesmo livros e não grossos e efémeros calhamaços coloridos, com vários volumes, cheios de bonecos parvos, passatempos e espaços para completar, vendidos ao engano com o equívoco de que atraem mais as crianças. Tudo isto com a complacência um pouco tola dos professores. Bons livros que poderíamos guardar nas estantes e não pobres árvores martirizadas para fazer maus livros que têm o prazo de validade de oito meses.
Finalmente, e não menos importante, com livros mesmo livros, resolver-se-ia o problema estúpido e ridículo das mochilas de quinze quilos que as escolas fazem os nossos alunos carregar.
Poderia ser uma boa ideia, mas sabem por que razão ainda não vimos as editoras (ou pelo menos aquelas editoras que têm o monopólio dos livros escolares) a protestar? A razão é simples: os livros não podem passar para o ano seguinte porque estão cheios de espaços para preencher. E nem uns alunos querem deixar de escrever, nem os outros querem livros escritos! Sei-o por experiência própria. Tenho dois filhos em anos seguidos e nunca consegui que um só livro passasse para o ano seguinte!
A solução séria, que este governo provavelmente não iria tomar, é garantir que os livros escolares sejam mesmo livros e não grossos e efémeros calhamaços coloridos, com vários volumes, cheios de bonecos parvos, passatempos e espaços para completar, vendidos ao engano com o equívoco de que atraem mais as crianças. Tudo isto com a complacência um pouco tola dos professores. Bons livros que poderíamos guardar nas estantes e não pobres árvores martirizadas para fazer maus livros que têm o prazo de validade de oito meses.
Finalmente, e não menos importante, com livros mesmo livros, resolver-se-ia o problema estúpido e ridículo das mochilas de quinze quilos que as escolas fazem os nossos alunos carregar.
segunda-feira, fevereiro 7
Tristran Shandy
Trouxe da biblioteca pública os dois volumes da edição portuguesea de A vida e opiniões de Tristran Shandy de Laurence Sterne (uma bonita e rigorosa edição da Antígona,com tradução e excelente introdução de Manuel Portela). Não pareceram muito lidos: o registo da primeira e única requisição do primeiro volume, anterior à minha, é de Novembro de 2003; o registo do segundo estava vazio. Quando comecei a passar as folhas, à procura da famosa folha preta, comecei a ver alguns riscos infantis de marcador amarelo e preto já com pouca tinta, que felizmente não perturbam a leitura. Falta de cuidado de um pai ou mãe, resmunguei. Foi só depois de encontrar a folha de Acer palmatum é que pensei com mais atenção no outro leitor do livro (mais provavelmente uma leitora), no pequeno artista, e nas pistas que me deixaram. Vejo-os, talvez no Jardim Botânico, onde há um belo exemplar deste ácer. E, embora a folha vermelha tenha ficado castanha, as magnólias do Botânico estavam hoje mesmo a abrir. As rosa ainda de forma tímida. As brancas já em toda a glória. O ácer, esse ainda continua despido. Mas logo aparecerão as pequenas folhas que rapidamente ficarão vermelhas, para de novo ficarem castanhas.
domingo, fevereiro 6
Dei a volta ao mundo duas vezes
Dei a volta ao mundo duas vezes,
Conheci os famosos: santos e pecadores,
Poetas e artistas, reis e rainhas,
Velhas estrelas e jovens prometedores
Estive onde nunca ninguém havia estado,
Aprendi segredos de escritores e cozinheiros
Tudo isto com um bilhete de biblioteca
Para o maravilhoso mundo dos livros
Jenny James
(a tradução é minha)
Conheci os famosos: santos e pecadores,
Poetas e artistas, reis e rainhas,
Velhas estrelas e jovens prometedores
Estive onde nunca ninguém havia estado,
Aprendi segredos de escritores e cozinheiros
Tudo isto com um bilhete de biblioteca
Para o maravilhoso mundo dos livros
Jenny James
(a tradução é minha)
sábado, fevereiro 5
Comentários mundanos sobre a simetria entre Dawkins e Sheldrake
Rupert Sheldrake inventou o conceito de ressonância mórfica e continua a propôr experiências simples para demonstrar a sua existência. Trata-se de uma teoria inútil dentro do conceito de Popper, segundo o qual "o que explica tudo não explica nada." Obviamente Sheldrake movimenta-se no campo do misticismo e da metafísica.
Richard Dawkins, embora pareça estar mais dentro dos paradigmas científicos normais, também está para lá da ciência. O materialismo radical, que Dawkins pretende confundir com ciência, não passa de metafísica.
A parte mundana? Ambos vendem muitos livros e têm mulheres fortes nas suas vidas. Jill Purse na cura pela música acompanha Sheldrake. Lalla Ward ilustradora e ex-actriz de filmes de horror de culto acompanha Dawkins.
Richard Dawkins, embora pareça estar mais dentro dos paradigmas científicos normais, também está para lá da ciência. O materialismo radical, que Dawkins pretende confundir com ciência, não passa de metafísica.
A parte mundana? Ambos vendem muitos livros e têm mulheres fortes nas suas vidas. Jill Purse na cura pela música acompanha Sheldrake. Lalla Ward ilustradora e ex-actriz de filmes de horror de culto acompanha Dawkins.
Visitas indesejadas
Uns candidatos muito aprumadinhos vestidos de azul lograram entrar na minha caixa do correio. Deixei-os lá ficar, acho que ainda lá estão.
E no entanto, estou curioso por saber qual vai ser o resultado de demagogia tão descarada. É que se há peixe da desinformação é o destes aprumadinhos.
E no entanto, estou curioso por saber qual vai ser o resultado de demagogia tão descarada. É que se há peixe da desinformação é o destes aprumadinhos.
sexta-feira, fevereiro 4
Melanocetus Johnsoni
Sócrates pode parecer uma luz ao fundo do túnel...
...mas se repararmos bem, será?
...mas se repararmos bem, será?
Eu não vi/ouvi "o debate".
E havia alguma razão para o ver/ouvir?
quinta-feira, fevereiro 3
Medir o pulso
Soube dele através do Posto de Escuta : "BlogPulse is an automated trend discovery system for blogs and a portal into the blogosphere". A sua "Trend Tool" dá-nos gráficos como este, para a palavra "Tsunami", obtido a partir do conteúdo de mais de 3.5 milhões de blogs em todo o mundo:
Na era da desinformação e em vésperas de eleições, obtemos para a palavra "mentira":
Na era da desinformação e em vésperas de eleições, obtemos para a palavra "mentira":
terça-feira, fevereiro 1
A vertigem do tempo
Com o post anterior do Nuno veio-me a vontade de ir comprar agulhas e lãs e tricotar um grande cachecol, ou uma manta, ponto a ponto, linha a linha, uma malha que cai e que se apanha na volta seguinte… e é isso mesmo que vou fazer.
Um convite à imaginação
Custa a crer que seja possível pesquisar 8 mil milhões de documentos à distância, em fracções de segundo, com a facilidade com que o fazemos hoje em dia. Parece um conto de fadas tecnológico. Quando penso que a digitalização do mundo ainda está na sua infância, ainda mais espantado fico. Como será a web daqui por 20 anos?
Imaginemos que tínhamos esse manancial de informação à nossa disposição para obter dele o que quiséssemos. Bastaria saber dar ordens a um exército de rapidíssimos servos que pesquisariam da forma que nos apetecesse, de graça. Que magníficos programas criaríamos, sem ter de começar do zero? Não é preciso imaginar muito: o sonho de programador chama-se Google Web APIs [mais informações na FAQ].
Imaginemos que tínhamos esse manancial de informação à nossa disposição para obter dele o que quiséssemos. Bastaria saber dar ordens a um exército de rapidíssimos servos que pesquisariam da forma que nos apetecesse, de graça. Que magníficos programas criaríamos, sem ter de começar do zero? Não é preciso imaginar muito: o sonho de programador chama-se Google Web APIs [mais informações na FAQ].
Na era da desinformação
Recebi por mail um videoclip extraordinário. Por causar sensação, percorreu o mundo rapidamente, é um meme eficaz. No entanto, é falso, não passa de publicidade a uma marca de bebidas.
Nos tempos que correm, não podemos acreditar no que lemos, vemos ou ouvimos. Os nossos sentidos não fazem sentido. Mas então, devemos acreditar em quê? Como distinguimos o trigo do joio?
Esta é uma das grandes questões dos tempos modernos, à qual ainda não sabemos dar resposta adequada. Há um boom de tecnologias de desinformação em massa e as pessoas ainda não estão preparadas para lidar com isso. À custa de serem enganadas, acabarão por aprender a não confiar facilmente, mas isso apenas deverá levar a um refinamento das técnicas de desinformação.
Nos tempos que correm, não podemos acreditar no que lemos, vemos ou ouvimos. Os nossos sentidos não fazem sentido. Mas então, devemos acreditar em quê? Como distinguimos o trigo do joio?
Esta é uma das grandes questões dos tempos modernos, à qual ainda não sabemos dar resposta adequada. Há um boom de tecnologias de desinformação em massa e as pessoas ainda não estão preparadas para lidar com isso. À custa de serem enganadas, acabarão por aprender a não confiar facilmente, mas isso apenas deverá levar a um refinamento das técnicas de desinformação.
Um ano de ti
Cansada de politiqueiros e de coisas feias, não resisto a colocar aqui um excerto deste belíssimo poema de amor, a suprema emoção de ser pai.
Um ano de ti. Parabéns, meu filho! Hoje é o teu primeiro aniversário. Ao mesmo tempo que sinto uma alegria e felicidade transbordantes sinto também que te entrego agora ao perpétuo e injusto ciclo da vida medida ao ano. Para trás fica essa brevidade contabilizada por meses, semanas e dias. Um ano – ao mesmo tempo tanto, e tão pouco. Em dada altura, reza assim o meu poema preferido: “Apalpo agora o girar das brutais, líricas rodas da vida”. E é exactamente isso que hoje sinto, quando te dou a mão e sei que entraste nessa brutal e lírica engrenagem dos anos. Completas o primeiro de todos eles, daqui em diante, será apenas somar as datas sobre o dia de hoje como uma amarga repetição. Durante estes meses em que te relatei vivi com a ideia que talvez te pudesse manter fora do tempo dos homens, manter-te bebé, tão eternamente meu. Mesmo hoje, olhando para as fotografias que temos acumulado ao longo deste percurso, vejo o quanto mudaste, o quando estás tão maior que esse bebé que os meus olhos continuam a dizer-me seres tu no que isso mais possa significar de indefeso e dependente. Talvez todos os pais imaginem os seus próprios filhos como bebés suspensos no percurso da vida, talvez os fixem assim, eternamente recém-nascidos, numa sobreposição desvairada da imaginação. Penso este «talvez» com a certeza prévia de nunca aceitar verdadeiramente que cresças, que tu próprio encontres o teu lugar nessa corrente infinita da vida e que assim sejas, um ser independente procurando a tua própria razão no tempo tão estupidamente breve que nos é dado. Sei apenas que, olho para ti, e continuo a ver a cabecinha tão redonda e o olhar malandreco com que nasceste, olho para os teus dedos compridos e fininhos entretidos no magicar de uma engenhoca qualquer e recordo a primeira vez que se fecharam em torno do meu indicador, agarro-te pelos incontáveis motivos que nos preenchem a actividade dos dias e revejo-te recém-nascido, acabado de nascer, ainda mal limpo e embrulhado num cobertor, nos meus braços, pela primeiríssima vez, nos meus braços. Tudo isto acabará por se esbater nesse tempo brutal que teimo em parar, nesse tempo injusto na sua brevidade. Sei que tudo passa, tudo se esquece, tanto o bom como o mau, e a vida nada mais é senão uma alegria breve. Mas como eu gostaria de fixar esta brevidade para o resto das nossas vidas! Hoje sinto-me exactamente assim, como se diz popularmente, com o coração nas mãos. Ou então, apenas sentimental e dramático.
Um ano de ti. Parabéns, meu filho! Hoje é o teu primeiro aniversário. Ao mesmo tempo que sinto uma alegria e felicidade transbordantes sinto também que te entrego agora ao perpétuo e injusto ciclo da vida medida ao ano. Para trás fica essa brevidade contabilizada por meses, semanas e dias. Um ano – ao mesmo tempo tanto, e tão pouco. Em dada altura, reza assim o meu poema preferido: “Apalpo agora o girar das brutais, líricas rodas da vida”. E é exactamente isso que hoje sinto, quando te dou a mão e sei que entraste nessa brutal e lírica engrenagem dos anos. Completas o primeiro de todos eles, daqui em diante, será apenas somar as datas sobre o dia de hoje como uma amarga repetição. Durante estes meses em que te relatei vivi com a ideia que talvez te pudesse manter fora do tempo dos homens, manter-te bebé, tão eternamente meu. Mesmo hoje, olhando para as fotografias que temos acumulado ao longo deste percurso, vejo o quanto mudaste, o quando estás tão maior que esse bebé que os meus olhos continuam a dizer-me seres tu no que isso mais possa significar de indefeso e dependente. Talvez todos os pais imaginem os seus próprios filhos como bebés suspensos no percurso da vida, talvez os fixem assim, eternamente recém-nascidos, numa sobreposição desvairada da imaginação. Penso este «talvez» com a certeza prévia de nunca aceitar verdadeiramente que cresças, que tu próprio encontres o teu lugar nessa corrente infinita da vida e que assim sejas, um ser independente procurando a tua própria razão no tempo tão estupidamente breve que nos é dado. Sei apenas que, olho para ti, e continuo a ver a cabecinha tão redonda e o olhar malandreco com que nasceste, olho para os teus dedos compridos e fininhos entretidos no magicar de uma engenhoca qualquer e recordo a primeira vez que se fecharam em torno do meu indicador, agarro-te pelos incontáveis motivos que nos preenchem a actividade dos dias e revejo-te recém-nascido, acabado de nascer, ainda mal limpo e embrulhado num cobertor, nos meus braços, pela primeiríssima vez, nos meus braços. Tudo isto acabará por se esbater nesse tempo brutal que teimo em parar, nesse tempo injusto na sua brevidade. Sei que tudo passa, tudo se esquece, tanto o bom como o mau, e a vida nada mais é senão uma alegria breve. Mas como eu gostaria de fixar esta brevidade para o resto das nossas vidas! Hoje sinto-me exactamente assim, como se diz popularmente, com o coração nas mãos. Ou então, apenas sentimental e dramático.