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quinta-feira, fevereiro 24

Mário de Sá Carneiro 

Era eu aluno do quarto ano de medicina contou-me Egas Moniz que um dia o procurara no Consultório um doente jovem, português residente em Paris e que regressara a Lisboa porque deflagrara a guerra entre a França e a Alemanha, início da Primeira Grande Guerra, 1914-1918, do Século XX. Egas Moniz ouviu-o aguçado pelo interesse crescente que a personagem lhe despertava e,cinquenta anos depois, apoiado na sua enorme experiência da natureza humana, descreveu-mo e relatou-me o diálogo aproximadamente assim: Era um homem ligeiramente obeso, de rosto redondo com um olhar inteligente e triste. Tinha uma estatura superior à média dos portugueses. Dizia ser estudante em Paris e não era a primeira vez que consultava um neurologista. Tinha consultado outros em Paris. Descrevia com facilidade as manifestações que o atormentavam. Tinha uma linguagem muito expressiva e que denunciava cultura. Apercebe-se que havia um fosso entre a infância e a maturidade, uma manifesta ausência de identidade, aparente incoerência de pensamento e, obviamente, pensamento delirante. A certa altura disse-me: «Sabe doutor, por vezes sinto um desdobramento da minha pessoa. Mas não é apenas um desdobramento psicológico mas é igualmente um desdobramento físico».Interrompi-o: «O que me descreve faz-me lembrar um poema que recentemente li numa revista literária portuguesa Orfeu e, que diz mais ou menos isto: Despegam-se-me os braços que vestidos de casaca vão ao baile do Vice-Rei.» E, o doente surpreendentemente respondeu: «Mas esse poema fui eu que o escrevi!.» Ao ler o poema suspeitei ser uma manifestação literária e artística de um esquizofrénico.


E.Macieira Coelho, Acta médica portuguesa 2001;14,33-42

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