sábado, novembro 29
Raridades do baú do tempo: a incerteza de estar premiado
sexta-feira, novembro 28
Toponímia Jesuíta em Coimbra
Apóstolos - assim eram designados os primeiros jesuítas em Portugal. A Couraça dos Apóstolos, na Alta de Coimbra, fica ao cimo da Rua Padre António Vieira (em tempos mais antigos denominada Ladeira dos Jesuítas).
A arte de bem argumentar
"Give me the facts, Ashley, and I will twist them the way I want to suit my argument."
Winston Churchill, para o seu assistente de investigação
Winston Churchill, para o seu assistente de investigação
Ode
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Ricardo Reis, 14-2-1933
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Ricardo Reis, 14-2-1933
quarta-feira, novembro 26
Deus e a Ciência: reflexões pessoais
A ciência tem substituído Deus, mas Este parece continuar presente na nossa perplexidade. Na Idade Média dizia-se que os desígnios de Deus estavam para lá da nossa compreensão. Agora dizemos, de forma para mim análoga, que o entendimento do universo está para lá da nossa experiência quotidiana. Na Idade Média concebia-se uma calota com astros colados. Séculos antes, Atlas segurava o céu. Agora, descobrimos que é a gravidade que nos segura e temos tecnologia que nos permite analisar as galáxias mais remotas. Mas quem segura a gravidade? Por que é ela assim?
Deus não é necessário para as nossas equações e teorias, é certo. Mas estas só nos parecem dar o como e parecem incapazes de nos dar o porquê. Acreditar que a ciência acabará por explicar tudo é também uma forma de Fé como a religião do ateu cujo credo é a inexistência de Deus. E assim entramos no domínio da retórica e da metafísica, no qual as figuras de estilo, as metáforas, os paradoxos, as perguntas que não conseguimos formular para as respostas que não temos, são parte importante da nossa visão do mundo.
Deus está para além da ciência, a Fé não é redutível a experiências às quais se possa aplicar o método científico. Porque a ciência é um método de análise, interpretação e modificação da realidade que tem como base a experiência. O magnífico início do capítulo 11 da carta aos Hebreu S. Paulo parece dizer tudo: "Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que não se vêem."
Infelizmente, tanto com a Ciência como com a Fé, as angústias mais profundas do Homem continuam sem solução satisfatória. Provavelmente a angústia e a insatisfação são intrínsecas à nossa natureza. Mas isto é, claro, retórica pessimista.
Deus não é necessário para as nossas equações e teorias, é certo. Mas estas só nos parecem dar o como e parecem incapazes de nos dar o porquê. Acreditar que a ciência acabará por explicar tudo é também uma forma de Fé como a religião do ateu cujo credo é a inexistência de Deus. E assim entramos no domínio da retórica e da metafísica, no qual as figuras de estilo, as metáforas, os paradoxos, as perguntas que não conseguimos formular para as respostas que não temos, são parte importante da nossa visão do mundo.
Deus está para além da ciência, a Fé não é redutível a experiências às quais se possa aplicar o método científico. Porque a ciência é um método de análise, interpretação e modificação da realidade que tem como base a experiência. O magnífico início do capítulo 11 da carta aos Hebreu S. Paulo parece dizer tudo: "Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que não se vêem."
Infelizmente, tanto com a Ciência como com a Fé, as angústias mais profundas do Homem continuam sem solução satisfatória. Provavelmente a angústia e a insatisfação são intrínsecas à nossa natureza. Mas isto é, claro, retórica pessimista.
terça-feira, novembro 25
A raínha dos mamíferos e o primo do nariz estrelado
O que motivou este post e uma série de espantos que o antecederam foi um programa de David Attenborough, daqueles sobre a vida selvagem que eu teimo em perder, apesar de achar que são possivelmente a melhor razão para se ter uma televisão. Naquele dia consegui ver uma parte, sobre os ratos-toupeiros nús ("naked mole rats"). Nunca tinha ouvido falar deles, o que é notável pois são o único mamífero eusocial conhecido, pelo que li na net. A eusocialidade observa-se em insectos como as formigas, abelhas, vespas ou térmitas e, fora dos insectos, apenas nestes ratos e numa espécie de camarão. Os ratos-toupeiros nús formam colónias com uma única "raínha" fértil, ajudada por "obreiras" e "soldados". As outras fêmeas são diferentes da raínha e estão inibidas de procriar, mas podem substituí-la após a sua morte. Todas têm uns dentes lindos.
Através do Google, dei com um primo igualmente singular: o "star-nosed mole". O nome diz tudo e as fotografias dispensam comentários, cliquem nelas se quiserem saber mais. As pesquisas levaram-me também ao incontornável Gene Egoísta que me tem andado a perseguir... agora todos os caminhos vão dar a Dawkins?!
Através do Google, dei com um primo igualmente singular: o "star-nosed mole". O nome diz tudo e as fotografias dispensam comentários, cliquem nelas se quiserem saber mais. As pesquisas levaram-me também ao incontornável Gene Egoísta que me tem andado a perseguir... agora todos os caminhos vão dar a Dawkins?!
terei medo do escuro
Sou acordado por um desperta-rádio, quando saio de casa não o desligo, contemporizo-o. No carro o rádio liga com o motor e esqueci qual é o botão fim. Não acho de mais música e ler, música e escrever, música e adormecer. Na altura dos discos pedidos sei que cada música tem uma cor na palete das emoções. As caixas dos CDs têm espaço para um mundo de coisas, tenho-as com um cheiro dentro, um filme, um amigo, uma dança —a menina dança—, um beijo pequeno que apanhou ao acaso uma testa, algumas têm todas essas coisas ao mesmo tempo, outras estão vazias e esperam ou não. Nalgumas caixinhas, coloridas, cabe um castelo inteiro, um castelo fantasma que aparece e desaparece, do mapa para a geometria do terreno. Noutras cabe um mundo só imaginado percorrido em liberdade, corrido em liberdade fotografado em tons de cinzento negativo e que nunca, nunca se podem impressionar em prova de contacto. Será a isto que se chama banda sonora. Terei medo do escuro.
sexta-feira, novembro 21
A Biblioteca de Vieira da Silva
Um dos mais belos testamentos
TESTAMENT
Je lègue à mes amis
un bleu céruléum pour voler haut
un bleu de cobalt pour le bonheur
un bleu d' outremer pour stimuler l' esprit
un vermillon pour faire circuler le sang allègrement
un vert mousse pour apaiser les nerfs
un jaune d'or: richesse
un violet de cobalt pour la rêverie
une garance qui fait entendre le violoncelle
un jaune barite: science-fiction, brillance, éclat
un ocre jaune pour accepter la terre
un vert Véronèse pour la mémoire du printemps
un indigo pour pouvoir accorder l' esprit à l'orage
un orange pour exercer la vue d' un citronnier au loin
un jaune citron pour la grâce
un blanc pur: pureté
terre de Sienne naturelle: la transmutation de l'or
un noir somptueux pour voir Titien
une terre d' ombre naturelle pour mieux accepter la mélancolie noire
une terre de Sienne brúlée pour le sentiment de durée.
Maria Helena Vieira da Silva
Je lègue à mes amis
un bleu céruléum pour voler haut
un bleu de cobalt pour le bonheur
un bleu d' outremer pour stimuler l' esprit
un vermillon pour faire circuler le sang allègrement
un vert mousse pour apaiser les nerfs
un jaune d'or: richesse
un violet de cobalt pour la rêverie
une garance qui fait entendre le violoncelle
un jaune barite: science-fiction, brillance, éclat
un ocre jaune pour accepter la terre
un vert Véronèse pour la mémoire du printemps
un indigo pour pouvoir accorder l' esprit à l'orage
un orange pour exercer la vue d' un citronnier au loin
un jaune citron pour la grâce
un blanc pur: pureté
terre de Sienne naturelle: la transmutation de l'or
un noir somptueux pour voir Titien
une terre d' ombre naturelle pour mieux accepter la mélancolie noire
une terre de Sienne brúlée pour le sentiment de durée.
Maria Helena Vieira da Silva
quinta-feira, novembro 20
Os cadeados
Quebro este meu silêncio para opinar sobre a greve e os cadeados. Às vezes é tal o consenso de opiniões que quase me assusto de pensar diferentemente.
As coisas são como são e faz parte do ser estudante ser excessivo e infringir as regras e cabe à sociedade e às instituições chamá-los à ordem.
E se não se é radical e contra a ordem vigente, aos 18, 20 anos quando é que se vai ser?
Tudo isto independentemente de poder não concordar com os pontos de vista dos estudantes, de seguramente não concordar com os cadeados. Mas devo dizer que tenho muito mais respeito por esses alunos que dão o corpo, que vão à luta do que por aqueles que ficam em casa ou aproveitam para fazer fins de semana prolongados. Além do mais, tenho a convicção de que são aqueles, os que vão á luta, que melhor futuro auguram para o nosso país.
As coisas são como são e faz parte do ser estudante ser excessivo e infringir as regras e cabe à sociedade e às instituições chamá-los à ordem.
E se não se é radical e contra a ordem vigente, aos 18, 20 anos quando é que se vai ser?
Tudo isto independentemente de poder não concordar com os pontos de vista dos estudantes, de seguramente não concordar com os cadeados. Mas devo dizer que tenho muito mais respeito por esses alunos que dão o corpo, que vão à luta do que por aqueles que ficam em casa ou aproveitam para fazer fins de semana prolongados. Além do mais, tenho a convicção de que são aqueles, os que vão á luta, que melhor futuro auguram para o nosso país.
quarta-feira, novembro 19
Força forte
Força fraca
domingo, novembro 16
Eliminar o sofrimento e morte por cancro até 2015 - II
Da entrevista a Andrew C. von Eschenbach:
Could we completely eliminate cancer by 2015?
- Given the complexity of the myriad diseases that we call cancer, it's unlikely that we will progress that far, that fast. But the point I wish to make is that a cure isn't necessary to eliminate the worst aspects of the cancer experience -- suffering and premature death. I do believe that by 2015, we can both eliminate some cancers as well as bring other cancers under control as chronic, manageable diseases, much like people today live with diabetes and heart disease. And one day, we may even eliminate cancer, but not in the foreseeable future. What is foreseeable is to expand our ability to preempt the suffering and death caused by cancer. That's why we've issued this challenge goal -- to focus ourselves on reducing the burden of cancer.
Could we completely eliminate cancer by 2015?
- Given the complexity of the myriad diseases that we call cancer, it's unlikely that we will progress that far, that fast. But the point I wish to make is that a cure isn't necessary to eliminate the worst aspects of the cancer experience -- suffering and premature death. I do believe that by 2015, we can both eliminate some cancers as well as bring other cancers under control as chronic, manageable diseases, much like people today live with diabetes and heart disease. And one day, we may even eliminate cancer, but not in the foreseeable future. What is foreseeable is to expand our ability to preempt the suffering and death caused by cancer. That's why we've issued this challenge goal -- to focus ourselves on reducing the burden of cancer.
Eliminar o sofrimento e morte por cancro até 2015
Não, não é um sonho impossível, não é uma ideia tresloucada de um lunático qualquer. É uma meta que se afigura realizável à luz do melhor conhecimento de que dispomos. Não é uma promessa, é um desafio ambicioso, mas pensa-se que será possível concretizá-lo se a sociedade se empenhar. A frase que se segue é a que mais me alegrou nos últimos tempos, sobretudo porque sei que não foi dita por uma pessoa qualquer:
"as director of the National Cancer Institute, I have issued a challenge: to eliminate the suffering and death from cancer, and to do so by 2015."
Andrew C. von Eschenbach
[Mais informação: 1, 2 (entrevista)]
"as director of the National Cancer Institute, I have issued a challenge: to eliminate the suffering and death from cancer, and to do so by 2015."
Andrew C. von Eschenbach
[Mais informação: 1, 2 (entrevista)]
Ensopado de Coimbra
sábado, novembro 15
Déjà Blog
Ó PC, então agora lemos o mesmo e blogamos sobre o mesmo ao mesmo tempo?! Juro que não tinha visto o teu post (ver os dois abaixo)!
Portugal, um país para conhecedores
Abençoada Klepsydra! Tem uma fotografia de um erro de sinalização do IP5 que é um verdadeiro clássico!
Ouvi falar pela primeira vez dele ainda durante os anos 80: alguém que passava por lá frequentemente, dizia que na IP5, perto de Celorico, havia a indicação de que se podia ir para Coimbra virando à direita (indo dar à estrada da Beira e saindo da IP5), mas faltava a seta a indicar que também se podia ir para Coimbra continuando pela IP5 (um caminho muitíssimo melhor).
Essa informação foi-me muito útil numa altura em que eu entrava frequentemente em Portugal por Vilar Formoso: se não ligasse à sinalização, ia pela IP5 e tinha uma condução mais segura e rápida (apesar de ser a estrada que é). Lembro-me de, por volta de 1998, ter feito esse percurso com outra pessoa que ia a guiar e de me ter esquecido de a avisar do "truque": obviamente, ela seguiu a sinalização e lá nos encontrámos na pavorosa estrada da Beira (a vista é bonita, mas a estrada parece não ter mudado desde os anos 60). Acabámos por fazer o caminho por essa estrada e jurámos para nunca mais.
Graças à Klepsydra, fico a saber que o problema de sinalização subsiste há cerca de uma década e meia! Já merecia uma lápide comemorativa, tipo McDonalds: "Over 1000000 tourists fooled"! E vai ser tão giro agora com o Euro, tantos turistas perdidos nas montanhas, a sentir na pele o país moderno que querem que pensem que somos!
Ouvi falar pela primeira vez dele ainda durante os anos 80: alguém que passava por lá frequentemente, dizia que na IP5, perto de Celorico, havia a indicação de que se podia ir para Coimbra virando à direita (indo dar à estrada da Beira e saindo da IP5), mas faltava a seta a indicar que também se podia ir para Coimbra continuando pela IP5 (um caminho muitíssimo melhor).
Essa informação foi-me muito útil numa altura em que eu entrava frequentemente em Portugal por Vilar Formoso: se não ligasse à sinalização, ia pela IP5 e tinha uma condução mais segura e rápida (apesar de ser a estrada que é). Lembro-me de, por volta de 1998, ter feito esse percurso com outra pessoa que ia a guiar e de me ter esquecido de a avisar do "truque": obviamente, ela seguiu a sinalização e lá nos encontrámos na pavorosa estrada da Beira (a vista é bonita, mas a estrada parece não ter mudado desde os anos 60). Acabámos por fazer o caminho por essa estrada e jurámos para nunca mais.
Graças à Klepsydra, fico a saber que o problema de sinalização subsiste há cerca de uma década e meia! Já merecia uma lápide comemorativa, tipo McDonalds: "Over 1000000 tourists fooled"! E vai ser tão giro agora com o Euro, tantos turistas perdidos nas montanhas, a sentir na pele o país moderno que querem que pensem que somos!
"Portugal Único 3: até Coimbra pelo bilhar grande"
Refere-se o Rui ao estado caótico da sinalização das estradas. Ali está, quem vem de Vilar-Formoso para Coimbra é convidado a seguir pela estrada da beira, será talvez porque é mais segura do que a IP5. Tragicamente até é verdade, mas apenas porque o volume de tráfego é muito menor — mas a alguém passa pela cabeça ligar às placas de trânsito?
Quem quiser fazer uma viagem Salamanca-Coimbra pode perguntar ao vetusto clube automóvel português qual o melhor trajecto que, de modo coerente, indicará o caminho da nacional 17 —estrada da beira— ou então pode confiar na sabedoria da michelin que sabe que se deve seguir pela IP5.
Quem quiser fazer uma viagem Salamanca-Coimbra pode perguntar ao vetusto clube automóvel português qual o melhor trajecto que, de modo coerente, indicará o caminho da nacional 17 —estrada da beira— ou então pode confiar na sabedoria da michelin que sabe que se deve seguir pela IP5.
a sério
nunca pensei dizer isto mas o continente está cheio de coisas boas, tal como a sic, a tvi, o público, boas e humanas, humanamente boas. Vejam-se os confortáveis sofás em poiso alcatifado, no primeiro andar. Têm vista para três gaiolas e para uma vereda de andantes.
sexta-feira, novembro 14
Os riscos desnecessários
Desnecessários? Não, eles são necessários! Os riscos das estradas, quero eu dizer. Por causa da falta deles passei hoje riscos desnecessários. De noite, com nevoeiro, sem pintura e sem outros carros, como é que encontramos a estrada onde supostamente nos encontramos, mesmo andando a 10 à hora?
Dica para pintores de estradas
Pintem-nas.
O poema do dia
Fujo da palvra sem timbre
Da expressão sem tom,
Da língua turva, do enunciado impuro,
Onde as arcadas do violoncelo choram.
Exaustos os rapsódicos rios de leones,
Fundo o murmúrio fluvial da estrofe,
Ouvindo interiormente,
Com as palpebras cerradas.
M. S. Lourenço in Poemário Assírio Alvim 2003
Da expressão sem tom,
Da língua turva, do enunciado impuro,
Onde as arcadas do violoncelo choram.
Exaustos os rapsódicos rios de leones,
Fundo o murmúrio fluvial da estrofe,
Ouvindo interiormente,
Com as palpebras cerradas.
M. S. Lourenço in Poemário Assírio Alvim 2003
a guerra civil nas estradas
no sentido da rotação
A primeira vez ela estava de costas em bicos de pés a fechar uma janela e eu sem ter mais nada para onde olhar. Ou, então, esquecias-te de olhar para onde os meus olhos olhavam e fixavas só os meus olhos, ou esquecias de ouvir as minhas palavras e vias apenas os meus lábios, ou, então, esquecias de ouvir a música e só dançávamos, sem mais nada para sentir. Cheguei a casa à hora combinada, toquei, ouvi passos, a porta abriu-se mas não vi ninguém. Entrei, a luz era fraca e tropecei no tapete, equilibrei-me no meio da sala e ali fiquei imóvel com medo de mais algum tapete que me atraiçoasse. Havia música e um cheiro quente e doce que não consegui identificar e que hoje recordo. Apareceste projectando sombras curvas nos meus olhos assustados. Entrava um resto de luz pelas persianas mal fechadas filtrando cumplicidades, a música abrandou e tornou-se mais grave, o ponteiro dos segundos hesitou no passo, hesitou no sentido da rotação. Tratámos então do algodão dos tecidos, sem mais nada para fazer.
quinta-feira, novembro 13
O assombroso campo das possibilidades
Quando folheei a revista IEEE Spectrum que hoje me chegou às mãos, não estava à espera de ler uma frase como esta: "Evolution directed in the laboratory is leading to virus that adhere to semiconductors and then assemble nanoelectronic components". O artigo começa da seguinte forma: "By the time you read this, there's a good chance a virus has built a transistor".
quarta-feira, novembro 12
Na Alta de Coimbra, em frente à Porta Especiosa
O Luis da Natureza do Mal fez-nos um convite para fazer um roteiro das ruas da Alta e já se lançou na aventura. Eu, que quase nunca vou por onde me mandam ir, comecei um passeio de memória. Mas fiquei parado diante desta porta para o passado e para o presente. Encerrada, entaipada e ligada.
A última vez que a vi despida dos panejamentos e madeiras que a cobrem, já lá vão alguns anos, estava vestida de pombas e plantas selvagens, rodeada de uma caótica corte motorizada. Toquei na pedra húmida que se solta com o contacto dos dedos e tirei fotografias. Para não esquecer.
A suavidade da pedra de Ançã parece querer a sua alma rupestre de volta. Quer tornar-se pó e humidade. Parece exigir que se cumpra um moderno prazo de validade. Com o auxílio dos carros que continuam a ocupar a Sé-Velha, das pombas e da vegetação, mas também das pessoas que não a vêem esboroar-se, de forma envergonhada e silenciosa, debaixo dos panejamentos e dos taipais.
João de Ruão não se importará, pois já teve quase cinco séculos de glória. Pedreiros como Álvaro Gois e Rui Mamede também não, pois têm a glória nas mãos calejadas.
Tarde. Muito tarde. Estão agora a estudar, medir, projectar, lançar concursos. Mas o tempo não pára e quando retirarem os panejamentos e as ligaduras provavelmente só restará uma múmia ressequida. Talvez ainda e sempre rodeada da corte motorizada.
A última vez que a vi despida dos panejamentos e madeiras que a cobrem, já lá vão alguns anos, estava vestida de pombas e plantas selvagens, rodeada de uma caótica corte motorizada. Toquei na pedra húmida que se solta com o contacto dos dedos e tirei fotografias. Para não esquecer.
A suavidade da pedra de Ançã parece querer a sua alma rupestre de volta. Quer tornar-se pó e humidade. Parece exigir que se cumpra um moderno prazo de validade. Com o auxílio dos carros que continuam a ocupar a Sé-Velha, das pombas e da vegetação, mas também das pessoas que não a vêem esboroar-se, de forma envergonhada e silenciosa, debaixo dos panejamentos e dos taipais.
João de Ruão não se importará, pois já teve quase cinco séculos de glória. Pedreiros como Álvaro Gois e Rui Mamede também não, pois têm a glória nas mãos calejadas.
Tarde. Muito tarde. Estão agora a estudar, medir, projectar, lançar concursos. Mas o tempo não pára e quando retirarem os panejamentos e as ligaduras provavelmente só restará uma múmia ressequida. Talvez ainda e sempre rodeada da corte motorizada.
Encadeados
Talvez o presidente da AAC quisesse confrontos com a polícia para ficar na fotografia um pouco como Daniel Cohn-Bendit no Maio de 68: daria uma boa imagem para o jornal das 8. No entanto, se tal tivesse acontecido, Victor Hugo Salgado não seria a vítima mas sim o polícia que impede, que usa a força, que prende, que acorrenta. O público, que olha para tudo isto com um misto de espanto e de gozo, seria Cohn-Bendit.
terça-feira, novembro 11
O sono separador
Sei de uma senhora muito caridosa que gosta muito de gatos. Gosta tanto que, apesar deles andarem em liberdade pelos quintais das redondezas e de serem bastante independentes, a senhora praticamente não vai de férias com receio de que morram à fome. A gataria vadia sabe que a horas certas têm uma refeição esmerada à sua espera e aparece às catadupas vindos de todos os lados. Não é para menos: carne e peixe comprado e preparado expressamente para eles, nada de enlatados, tudo fresquinho.
Mas tudo tem um fim. Ultimamente já havia gatos a mais e, com a idade também a pesar, a senhora tinha de cortar nas doses. E assim, ajudada por um familiar veterinário, preparou o plano: deita-se um soporífero na comida, eles dormem, levam-se para longe e resolve-se o problema.
Dito e feito. Repasto preparado e adocicado com o calmante, a gataria amontoou-se como de costume no quintal, comeram à fartazana e pouco depois caíram para o lado. "Zzzzzzzzzzzzzzzzz"... (ou seria antes "ron-ron-ron-ron"?) Quem chegasse de fora teria uma espantosa visão: vinte e tal gatos de Schrödinger esparramados no chão, talvez mortos, talvez vivos.
Mas não. No último instante, como nos filmes, a senhora não teve coragem, não quis que os levassem. E assim, quando os gatos acordaram, foram à sua vida como se nada tivesse acontecido, atordoados à procura de tordos. A viagem para o outro lugar, ficou para outra vez, talvez para outra vida de gato.
Uma segunda tentativa de separação está já em preparação. I’ll keep you posted...
Mas tudo tem um fim. Ultimamente já havia gatos a mais e, com a idade também a pesar, a senhora tinha de cortar nas doses. E assim, ajudada por um familiar veterinário, preparou o plano: deita-se um soporífero na comida, eles dormem, levam-se para longe e resolve-se o problema.
Dito e feito. Repasto preparado e adocicado com o calmante, a gataria amontoou-se como de costume no quintal, comeram à fartazana e pouco depois caíram para o lado. "Zzzzzzzzzzzzzzzzz"... (ou seria antes "ron-ron-ron-ron"?) Quem chegasse de fora teria uma espantosa visão: vinte e tal gatos de Schrödinger esparramados no chão, talvez mortos, talvez vivos.
Mas não. No último instante, como nos filmes, a senhora não teve coragem, não quis que os levassem. E assim, quando os gatos acordaram, foram à sua vida como se nada tivesse acontecido, atordoados à procura de tordos. A viagem para o outro lugar, ficou para outra vez, talvez para outra vida de gato.
Uma segunda tentativa de separação está já em preparação. I’ll keep you posted...
domingo, novembro 9
O sonho dos comentadores políticos de domingo à noite
(Antes | Depois)
Coimbra vista do Japão
Tiques rápidos repetitivos
Já falei aqui de cardumes, de peixes, de como eles se movem e como esse movimento é comunicado aos restantes, servindo de aviso, de defesa, de meio de comunicação. Então e não é que soube pelo bactéria, que cita este artigo, que certos peixes também se "fartam" (isto para não usar o termo "peidam" - pronto, já usei), pensando-se mesmo que possam usar a flatulência como linguagem? Magnífico meio de comunicação! Como esses peixes são dos poucos que conseguem ouvir os seus "tiques rápidos repetitivos" (FRT = Fast Repetitive Ticks), nome muito apropriado também para os seus congéneres humanos, podem comunicar entre si sem os seus predadores saberem. Os "tiques" de peixe são audíveis aqui. Então e como se chama o peixe? Preciso mesmo de dizer? Arenque, claro!
AVISOpub
(aliás o vento sempre vai)
As melhores palavras surgem-me no chuveiro, ocorrem-me em verso, prosa ou rima infantil, ou palavras só soltas, são todas as melhores e de cadência maravilhosa. Eu naturalmente, oportunamente impedido de escrever. Quando isso acontece nada fica igual, a boca do estômago, as entranhas, as pernas, é o frio, revoltam-se, tremem e, talvez ainda, a palpitação. Na impossibilidade de escrever, essas ideias volantes nunca se chegam a solidificar. Vejo agora as gotas grossas de água que escorrem e caem, as gotas agora já não são gotas, de repente as gotas são palavras que aparecem, por mim deslizam, escoam-se depois. Repentinamente fecho a torneira. Nada se materializa, todo o momento se escoou, o meu pensamento seguiu em suspensão líquida, percorre agora túneis escuros e sujos, é retardado por areias movediças, junta-se a um rio de palavras, outras palavras de outros rios, cada vez mais forte. Chove, entendo que as gotas de água que caem e se desfazem estrondosamente no chão, são as tuas palavras. Procuro primeiro caminhar timidamente por entre as gotas sem me molhar, sem lhes perturbar a queda. As primeiras gotas que me atingem, mesmo quentes, provocam um arrepio numa sensação muito próxima ao frio, ao frio polar. Só depois reparo que toda a nuvem descarrega apenas em cima de mim, então fecho o chapéu e continuo a caminhar até também eu ser só água. Repentinamente fica sol, a chuva vai, as nuvens vão, o vento vai (aliás o vento sempre vai), só o Outono tem estes repentes de tempo. A minha roupa seca e nenhuma palavra se cristalizou, todas as gotas molham e trespassam a terra, correm em riachos antes de se juntar a um rio de outras palavras, sinto apenas o desconforto da roupa áspera. Outras vezes não se passa nada, fico apenas sentado, solitário, calado na berma do rio, olhando o número infinito das palavras outras vezes tão molhadas.
sexta-feira, novembro 7
Do complexo, ao muito simples. Picasso
quinta-feira, novembro 6
lapsos de memória
— Olha sabes, contaram-me que o pai do Baltazar no Sábado passado foi levá-lo a uma festa. Achou estranho que não havia balões à porta da casa certa. Curioso que ninguém respondeu à campaínha cá de baixo. As escadas estavam em silêncio e o relógio marcava a hora do convite. Finalmente tocou à campaínha e bateu à porta, depois desceu as escadas todas outra vez para reler o convite... a festa era no Domingo! A sorte foi não estar ninguém em casa! Já viste, só mesmo ele para trocar uma coisa dessas...
— Sim... fui eu que te contei essa história!...
— Sim... fui eu que te contei essa história!...
quarta-feira, novembro 5
A Natureza do Mal: Champagne
Casa Pia
Como se pode manter no sec XXI um modelo de instituição do sec XVIII?
Parafraseando alguém, loucura é fazer de novo errado esperando que desta vez dê certo.
Como se enfiam numa mesma casa centenas de crianças, centenas de histórias tristes, centenas de abandonos, de maus tratos, de experiências de promiscuidade, de ausências de valores morais ou de quaisquer valores e depois se espera que essas crianças tenham um futuro feliz? Por muitos psicólogos que lhes dêem, por muitos jogos didácticos e computadores oferecidos, por muitos ginásios fantásticos, por muitos técnicos dedicados... alguém acredita que essa seja a solução?
Parafraseando alguém, loucura é fazer de novo errado esperando que desta vez dê certo.
Como se enfiam numa mesma casa centenas de crianças, centenas de histórias tristes, centenas de abandonos, de maus tratos, de experiências de promiscuidade, de ausências de valores morais ou de quaisquer valores e depois se espera que essas crianças tenham um futuro feliz? Por muitos psicólogos que lhes dêem, por muitos jogos didácticos e computadores oferecidos, por muitos ginásios fantásticos, por muitos técnicos dedicados... alguém acredita que essa seja a solução?
terça-feira, novembro 4
True Colors
You with the sad eyes
Don't be discouraged
Oh I realize
It's hard to take courage
In a world full of people
You can lose sight of it all
And the darkness inside you
Can make you feel so small
But I see your true colors
Shining through
I see your true colors
And that's why I love you
So don't be afraid to let them show
Your true colors
True colors are beautiful,
Like a rainbow
Show me a smile then,
Don't be unhappy, can't remember
When I last saw you laughing
If this world makes you crazy
And you've taken all you can bear
You call me up
Because you know I'll be there
And I'll see your true colors
Shining through
I see your true colors
And that's why I love you
So don't be afraid to let them show
Your true colors
True colors are beautiful,
Like a rainbow
by Tom Kelly & Billy Steinberg, 1986
from "True Colors", Cindy Lauper.
Armanda
As Repúblicas
O Luís da Natureza do Mal hoje está apostado em despertar-me lembranças. Agora veio falar da alta de Coimbra e de um tema que me é particularmente caro: as Repúblicas! Sem exagero nem pingo de lamechice muito do que sou hoje, sou-o por causa das Repúblicas. Vivi numa República, namorei numa República, casei com um Repúblico. Por isso em breve escreverei um post bem piegas sobre todas essas experiências.
Teresa Siza
As voltas que o mundo dá. Leio na Natureza do Mal o post sobre a Susana Paiva, belíssima fotógrafa (e muito mais, segundo o Luís) que eu conheço sobretudo das lindíssimas e emotivas fotografias que ela fez no TEUC. Carrego no link para a sua página pessoal onde entre outras informações leio que fez formação com a Teresa Siza.
Conheci a Teresa Siza há muitos anos, antes de a Teresa Siza ser conhecida, ou então já era eu é que não sabia. Eu nessa altura era uma míuda e a Teresa Siza e a minha mãe davam aulas na mesma escola. A minha mãe contava histórias dessa colega, ligeiramente exótica, que tinha em casa um laboratório de fotografia e que ia para a escola num carro de dar à manivela. A Teresa Siza achava piada aos 7 filhos da minha mãe, todos mais ou menos pequenitos, e um dia fizémos uma verdadeira sessão fotográfica e temos em casa dezenas de fotografias tiradas por ela. Na altura não achei nenhuma piada, estava a entrar na adolescência, achava-me gorda feia e desajeitada e aos meus olhos isso era particularmente evidente em todas as fotografias. Com a agravante de os meus irmãos, todos mais novos, serem ainda umas lindas e adoráveis criancinhas.
Conheci a Teresa Siza há muitos anos, antes de a Teresa Siza ser conhecida, ou então já era eu é que não sabia. Eu nessa altura era uma míuda e a Teresa Siza e a minha mãe davam aulas na mesma escola. A minha mãe contava histórias dessa colega, ligeiramente exótica, que tinha em casa um laboratório de fotografia e que ia para a escola num carro de dar à manivela. A Teresa Siza achava piada aos 7 filhos da minha mãe, todos mais ou menos pequenitos, e um dia fizémos uma verdadeira sessão fotográfica e temos em casa dezenas de fotografias tiradas por ela. Na altura não achei nenhuma piada, estava a entrar na adolescência, achava-me gorda feia e desajeitada e aos meus olhos isso era particularmente evidente em todas as fotografias. Com a agravante de os meus irmãos, todos mais novos, serem ainda umas lindas e adoráveis criancinhas.
nevoeiro
Ora esconde ora deixa ver as formas, cria e sopra imagens impossíveis, os vales cobertos de branco, escorrendo, o relevo tornado plano, a terra libertando vapores aprisionados durante o dia anterior aos primeiros raios da manhã, a linha do horizonte que é transportada desde o infinito distante até à nossa frente, mas do mesmo modo intocável. Tudo solta, liberta a imaginação, nada mais nos distrai no essencial, nada mais do que branco, nada mais do que o que se entrevê não-vê. É frio e húmido, provavelmente a mistura mais mortal, não nos permite dispensar da presença do nosso corpo, esquecer a nossa existência em matéria, à falta de realidade exterior, somos nós que ficamos reais.
segunda-feira, novembro 3
A Natureza do Mal: o Gengibre
sábado, novembro 1
A a Z
As duas maiores bloguistas-sem-blog que eu conheço A e Z.
Post-it®
Uma amiga deu-me um desses blocos amarelo o papel com uma banda adesiva nas costas. Ela diz que eu ando muito distraído e abstracto, quis contribuir para a cura do mal antes que me esqueça de alguma coisa maior. Toma lá para poderes colar as tuas ideias. A voz dela, para lá do doce da oferta, parecia uma ordem, olhei o bloquinho amarelo e entendi a voz de comando: Post-it® notas de quita y pon. Ao mesmo tempo uma angústia enorme me assaltou — os blogs já existiam desde tempos perdidos na nossa memória, como é que demorou tanto tempo até alguém entender finalmente a voz de comando post-it quantas ideias perdidas coladas na testa post-it no frigorífico post-it no monitor do computador post-it.
Dicas para uma condução amiga [3]
Anda de autocarro e a pé. Se as tuas necessidades diárias não incluirem andar a pé, uma vez de quatro em quatro semanas, anda a pé mesmo por obrigação. Lembra-te que o autocarro vai para lá de qualquer modo, se picares o bilhete é menos um carro que anda e poluí e gasta a tua carteira.
Quando vais a pé ou de autocarro —de preferência nas mesmas ruas que tão bem conheces de carro— vê como são as passadeiras, avalia as setas de uma tonelada deslizando a 14 metros por segundo na direcção do teu corpo, decide se o chapéu deve proteger da chuva ou das poças de água quado os carros não abrandam, porque custa ver o autocarro atrasar pela prioridade não cedida, vê o que custam os passeios mal feitos, sem rampas para rodinhas, vê o que custa o som-trovão da aceleração –para quê– e o chiar dos travões –tem de ser–, se fores acompanhado no teu pé –tens sorte–, se conseguires falar e escutar –tens sorte–, vê o que custa o cheiro do fumo de escape, se conseguires respirar –tens sorte.
Anda a pé e de autocarro, por obrigação, uma vez de quatro em quatro semanas, aproveita e anda mais vezes por gosto.
Quando vais a pé ou de autocarro —de preferência nas mesmas ruas que tão bem conheces de carro— vê como são as passadeiras, avalia as setas de uma tonelada deslizando a 14 metros por segundo na direcção do teu corpo, decide se o chapéu deve proteger da chuva ou das poças de água quado os carros não abrandam, porque custa ver o autocarro atrasar pela prioridade não cedida, vê o que custam os passeios mal feitos, sem rampas para rodinhas, vê o que custa o som-trovão da aceleração –para quê– e o chiar dos travões –tem de ser–, se fores acompanhado no teu pé –tens sorte–, se conseguires falar e escutar –tens sorte–, vê o que custa o cheiro do fumo de escape, se conseguires respirar –tens sorte.
Anda a pé e de autocarro, por obrigação, uma vez de quatro em quatro semanas, aproveita e anda mais vezes por gosto.
Planets in the sky with diamonds
Em "2061, Odissey three", Arthur C. Clarke fala de uma enorme montanha, Mont Zeus, feita de diamante, em Europa, o satélite de Júpiter. No final do livro, ficamos a saber que tal ideia não era produto de uma imaginação delirante: ela foi proposta há mais de 20 anos atrás, por Marvin Ross num artigo da Nature (vol. 292, No. 5822, pp. 435-6, 30 Julho 1981). Pelos vistos, há razões para pensar que podem literalmente chover diamantes em Neptuno e Urano (Science, 1 Oct. 1999). Assim como é possível que hajam estrelas com enormes diamantes, tal como as de cinema, mas um pouco maiores: há quem especule que possam chegar a ter 300 mil vezes a massa da Terra...
Os diamantes são eternos (“Diamonds are forever”)
Qual quê. Os diamantes são uma treta (“Diamonds are bullshit”), isso sim.
Eles até que são úteis. São o material natural mais duro, riscam todos os outros e por isso duram mais tempo – compreende-se o termo "eterno" em termos industriais. Excelentes condutores de calor, daí frios ao toque, podem vir a dar um jeitão para chips de computadores. Feitos apenas de carbono, tal como a grafite do lápis, são mais raros e imensamente mais caros. Só que, e aí está o busílis, não são tão raros quanto isso. O elevado preço deles é uma treta muito bem montada e nós caímos na esparrela que nem uns patinhos.
Há uns tempos vi os 5 minutos finais de um programa da SIC notícias que falava sobre o grande negócio dos diamantes (nesta era do zapping, vejo sobretudo as partes finais dos programas bons e as partes iniciais dos programas maus). Do que consegui perceber e apoiando-me posteriormente em leituras algo apressadas pela net, os diamantes só são caros por razões de mercado e de marketing. O mercado é controlado por uma empresa, a De Beers, que através de uma muito bem montada campanha publicitária nos conseguiu convencer de que os diamantes são eternos, logo são a prenda ideal para demonstrar que o amor também é. As mulheres compraram a ideia (“Diamonds are a girl’s best friend”) e os homens a ideia de lhes comprar os diamantes (nisto parecemo-nos com certos pássaros que cortejam as fêmeas oferecendo objectos brilhantes). No tal programa da SIC, havia alguém que polemicamente dizia que a campanha publicitária da De Beers tinha sido a maior que a humanidade tinha conhecido desde a de Jesus Cristo. Hollywood foi um dos alicerces dessa campanha.
E a verdade é esta: estamos todos convencidos que os diamantes são caros porque são raros, para além de nos fascinar a beleza, o brilho. Somos tão tolos, não é? Quantos de nós conseguem distinguir um diamante verdadeiro de um falso? E mesmo que alguns consigam, é assim tão importante aquele brilhozinho? Os diamantes só valem o valor psicológico que nos foi impingido: compram-se diamantes porque eles são caros, inacessíveis. Lógica magnífica para quem os vende!
Agora, quanto à raridade, é uma treta: eles só são caros porque o monopólio da De Beers tem conseguido gerir a conta-gotas a exploração dos diamantes, que têm sido descobertos em abundância em “pipes” de Kimberlite no Canadá, Rússia, etc. A De Beers poderia aumentar muito a produção se o quisesse, mas lá se ia o valor, o elitismo e a mística. Há ainda os diamantes sintéticos, que para a joalharia são um mercado em expansão para os próximos anos. As primeiras empresas estão a aparecer, vamos ver como a De Beers resolve a questão.
Os diamantes e a De Beers recebem o meu prémio Melanocetus Johnsoni da desinformação, uma vez que conseguiram impor universalmente um conjunto de comportamentos e de slogans, toda uma elaborada cultura, perfeitamente artificial e sem qualquer sentido, ao longo de várias gerações. E, convenhamos: conseguir convencer o mundo inteiro de que umas pedras relativamente banais valem balúrdios é de génio!
[ao som de “Não te deixes assim vestir”, Sérgio Godinho]
Mais leituras sobre o tema: 1, 2, 3, 4, 5, 6.
Eles até que são úteis. São o material natural mais duro, riscam todos os outros e por isso duram mais tempo – compreende-se o termo "eterno" em termos industriais. Excelentes condutores de calor, daí frios ao toque, podem vir a dar um jeitão para chips de computadores. Feitos apenas de carbono, tal como a grafite do lápis, são mais raros e imensamente mais caros. Só que, e aí está o busílis, não são tão raros quanto isso. O elevado preço deles é uma treta muito bem montada e nós caímos na esparrela que nem uns patinhos.
Há uns tempos vi os 5 minutos finais de um programa da SIC notícias que falava sobre o grande negócio dos diamantes (nesta era do zapping, vejo sobretudo as partes finais dos programas bons e as partes iniciais dos programas maus). Do que consegui perceber e apoiando-me posteriormente em leituras algo apressadas pela net, os diamantes só são caros por razões de mercado e de marketing. O mercado é controlado por uma empresa, a De Beers, que através de uma muito bem montada campanha publicitária nos conseguiu convencer de que os diamantes são eternos, logo são a prenda ideal para demonstrar que o amor também é. As mulheres compraram a ideia (“Diamonds are a girl’s best friend”) e os homens a ideia de lhes comprar os diamantes (nisto parecemo-nos com certos pássaros que cortejam as fêmeas oferecendo objectos brilhantes). No tal programa da SIC, havia alguém que polemicamente dizia que a campanha publicitária da De Beers tinha sido a maior que a humanidade tinha conhecido desde a de Jesus Cristo. Hollywood foi um dos alicerces dessa campanha.
E a verdade é esta: estamos todos convencidos que os diamantes são caros porque são raros, para além de nos fascinar a beleza, o brilho. Somos tão tolos, não é? Quantos de nós conseguem distinguir um diamante verdadeiro de um falso? E mesmo que alguns consigam, é assim tão importante aquele brilhozinho? Os diamantes só valem o valor psicológico que nos foi impingido: compram-se diamantes porque eles são caros, inacessíveis. Lógica magnífica para quem os vende!
Agora, quanto à raridade, é uma treta: eles só são caros porque o monopólio da De Beers tem conseguido gerir a conta-gotas a exploração dos diamantes, que têm sido descobertos em abundância em “pipes” de Kimberlite no Canadá, Rússia, etc. A De Beers poderia aumentar muito a produção se o quisesse, mas lá se ia o valor, o elitismo e a mística. Há ainda os diamantes sintéticos, que para a joalharia são um mercado em expansão para os próximos anos. As primeiras empresas estão a aparecer, vamos ver como a De Beers resolve a questão.
Os diamantes e a De Beers recebem o meu prémio Melanocetus Johnsoni da desinformação, uma vez que conseguiram impor universalmente um conjunto de comportamentos e de slogans, toda uma elaborada cultura, perfeitamente artificial e sem qualquer sentido, ao longo de várias gerações. E, convenhamos: conseguir convencer o mundo inteiro de que umas pedras relativamente banais valem balúrdios é de génio!
[ao som de “Não te deixes assim vestir”, Sérgio Godinho]
Mais leituras sobre o tema: 1, 2, 3, 4, 5, 6.