domingo, novembro 9
(aliás o vento sempre vai)
As melhores palavras surgem-me no chuveiro, ocorrem-me em verso, prosa ou rima infantil, ou palavras só soltas, são todas as melhores e de cadência maravilhosa. Eu naturalmente, oportunamente impedido de escrever. Quando isso acontece nada fica igual, a boca do estômago, as entranhas, as pernas, é o frio, revoltam-se, tremem e, talvez ainda, a palpitação. Na impossibilidade de escrever, essas ideias volantes nunca se chegam a solidificar. Vejo agora as gotas grossas de água que escorrem e caem, as gotas agora já não são gotas, de repente as gotas são palavras que aparecem, por mim deslizam, escoam-se depois. Repentinamente fecho a torneira. Nada se materializa, todo o momento se escoou, o meu pensamento seguiu em suspensão líquida, percorre agora túneis escuros e sujos, é retardado por areias movediças, junta-se a um rio de palavras, outras palavras de outros rios, cada vez mais forte. Chove, entendo que as gotas de água que caem e se desfazem estrondosamente no chão, são as tuas palavras. Procuro primeiro caminhar timidamente por entre as gotas sem me molhar, sem lhes perturbar a queda. As primeiras gotas que me atingem, mesmo quentes, provocam um arrepio numa sensação muito próxima ao frio, ao frio polar. Só depois reparo que toda a nuvem descarrega apenas em cima de mim, então fecho o chapéu e continuo a caminhar até também eu ser só água. Repentinamente fica sol, a chuva vai, as nuvens vão, o vento vai (aliás o vento sempre vai), só o Outono tem estes repentes de tempo. A minha roupa seca e nenhuma palavra se cristalizou, todas as gotas molham e trespassam a terra, correm em riachos antes de se juntar a um rio de outras palavras, sinto apenas o desconforto da roupa áspera. Outras vezes não se passa nada, fico apenas sentado, solitário, calado na berma do rio, olhando o número infinito das palavras outras vezes tão molhadas.
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