<$BlogRSDUrl$>

sábado, março 27

"Confuse-a-tuga Ltd." 



Às vezes imagino uma sociedade moderna como se fosse um público sentado num grande espaço, rodeado de palcos diferentes onde decorrem vários espectáculos em simultâneo. Os eventos concorrem entre si para ganhar a atenção do público. Por vezes algo de extraordinário acontece e a audiência olha quase toda para um dado palco. Outras vezes, parece que cada pessoa olha para seu lado e vê um espectáculo diferente.

Recentemente, o número de palcos e espectáculos aumentou dramaticamente, o que levou a que os artistas para sobreviver optimizassem as suas técnicas de atracção do público, que assim vai vendo coisas cada vez mais bizarras e estridentes. O resultado é uma estranha cacofonia mediática, onde todos tentam chegar aos patamares de maior visibilidade.

Alguns espectáculos são perfeitamente absurdos, “surreality shows” onde nada parece fazer sentido. Eu sento-me (e sinto-me) como o gato do sketch “Confuse-a-cat Ltd” dos Monty Python, a observar. Como o gato, não percebo nada de economia, mas depreendo existir alguma contradição entre, por um lado, um PM e ministros (e políticos, comentadores…) que glorificam a boa governação e, por outro, uma realidade económica e financeira que teima em aproximar-se da bancarrota. Ouço dizer que a culpa será das costas largas da maior crise global dos últimos 80 anos. Mas se ela toca a todos igualmente não percebo porque é que a nossa taxa de desemprego que antes era das mais baixas da Europa é agora das mais altas. E se este elevado défice de 2009 foi planeado e não se deveu a descontrolo de contas, porque é que o governo insistiu em auto-enxovalhar-se com previsões de 3,9%, 5,9%, 8,0% para logo a seguir se saber que foi, surpreendentemente, de 9,3% e que 3 meses depois "caminha para os 12,5%" (sem link permanente)? Se era planeado, será que não nos podia dizer antecipadamente qual era a meta? E se temos um PM que implementou com coragem as reformas que constavam do programa de governo, afrontando os interesses instalados com toda a determinação, porque é que precisamos agora um Programa de Estabilidade e Crescimento que vai contra o que prometeu antes das eleições há 6 meses atrás e que aparentemente era fundamental para fazer Portugal avançar? E se as agências de rating não são credíveis, como nos disse o ministro das finanças, porque é que elas influenciam as taxas de juro com que contraímos os nossos empréstimos e até são usadas dias depois pelo mesmo ministro das finanças para credibilizar o PEC? E porque é que na apresentação do PEC frisaram tanto que não haverá subida de impostos (“com uma excepção”, ou talvez várias)? Ouvi dizer que é bom cortar na despesa do estado e por isso deve ser bom cortar na “despesa fiscal do estado”, mas não percebo os que dizem que cortar nessa despesa implica pagarmos mais impostos - afinal de contas, sou apenas um gato. E se é assim tão bom reduzir a despesa do estado, porque é que leio (sem link permanente) que "contrariando o discurso oficial, o OE 2010 prevê a subida das despesas de quase todos os organismos públicos"?

Como o gato, apetece-me simplesmente dizer que “está tudo maluco, deixa-me ir embora”. Seria a cura, mas hey, isto é apenas um sketch humorístico e um post no blog...

sexta-feira, março 26

"Portugal não é a Grécia" 



Ontem, ao ver o primeiro-ministro grego desdobrar-se em declarações e diplomacia para tentar restabelecer a credibilidade na economia grega e ajudar a tranquilizar os mercados, não pude deixar de imaginar como seria se o nosso primeiro-ministro tivesse de fazer o mesmo.


quarta-feira, março 24

Ilusão cognitiva sobre a degradação dos pneus 

Numa conversa com um amigo sugeri, seguindo de forma acrítica um certo senso comum contra-intuitivo, que a falta de uso dos pneus poderia contribuir para a sua maior degradação. E, claro, fui confrontado com o erro contido nessa ideia, pois, por razões termodinâmicas, um maior uso só poderia levar a uma degradação mais rápida. Ainda resisti ( que é o que se faz nessas alturas) tentando a hipótese explicativa de que o uso poderia ajudar a manter a flexibilidade, impedindo a formação ou quebra de ligações e outras alteração da estrutura molecular que aumentariam a rígidez. Mas vi logo que essa explicação mais elaborada só poderia estar errada pela mesma razão...

De onde vem esta ilusão cognitiva do aumento de durabilidade com o uso? A minha hipótese é que venham da observação acrítica, pois todas as pessoas já viram pneus não gastos em carros velhos com sulcos e quebras. No entanto estes pneus poderão ter muitas vezes mais do que uma dezena de anos, enquanto que em condições normais de utilização durariam no máximo dois ou três anos.

A degradação dos pneus, para além do uso que lhes retira a borracha no contacto com a estrada (a uma velocidade muito alta se contado em número de moléculas [1]), é essenciamente devida à oxidação causada pelo oxigénio e radiação solar [2,3]. Assim, mesmo os pneus que não são usados na estrada se vão degradando, mas a uma velocidade mais baixa que os outros (cerca de 70% da velocidade, de acordo com [3]).

Nos EUA o uso de pneus antigos é um problema sério. Aqui, na Europa, recomenda-se que não se usem pneus com mais de seis anos.

[1] Veja-se o problema ao estilo de Fermi referido nos Fundamentos de Física de Haliday e Resnick de estimar o número de moléculas arrancadas a um pneu por unidade de tempo.

[2] Bernard L. Johnson, Frank K. Cameron Mechanism of Rubber Aging Ind. Eng. Chem., 1933, 25 (10), pp 1151–1152.

[3]John M. Baldwin, David R. Bauer and Kevin R. Ellwood Rubber aging in tires. Part 1: Field results Polymer Degradation and Stability, 2007 92 (1) 103-109

Assunto: Protocolo de Colaboração com a Essentials Day Spa - Clínica Médica e Estética 

Recebi vindo da minha Universidade o mail que abaixo se transcreve. É tão absurdo no despropósito e paroquial no conteúdo que a minha primeira reacção foi de achar que deveria ser falso. Pois lá faria algum sentido os investigadores do Porto, Coimbra, Aveiro ou Braga, estarem interessados em deslocar-se a Lisboa para terem 15% de desconto num SPA? E os investigadores, mesmo se de Lisboa, lá têm tempo para ir a SPAs? E os bolseiros, mesmo se de Lisboa, lá têm dinheiro para pagar um SPA? E os outros SPAs não teriam também direito a fazerem protocolos e receberem esta publicidade toda (enfim esta poderá ser um pouco negativa...)? E o Ministério da Ciência e as Universidades não tem assuntos mais importantes para tratar?


Assunto: Protocolo de Colaboração com a Essentials Day Spa - Clínica Médica e Estética

_N/Referência n.º 2010/1826/DPAC, de 18-03-2010_

Exmos(as). Senhores(as)
Reitores(as) das Universidades Públicas e Presidente do ISCTE
Presidentes dos Institutos Politécnicos
Presidentes das Escolas Politécnicas não Integradas

A Secretaria-Geral celebrou um Protocolo de Colaboração com a /Essentials Day Spa -- Clínica Médica e Estética/, localizada no Bairro Azul, em Lisboa, no passado dia 30 de Dezembro de 2009. O referido protocolo proporciona aos trabalhadores do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, aos colaboradores dos Gabinetes dos membros do Governo, respectivos cônjuges, pais e filhos, e aos alunos e trabalhadores das instituições de ensino superior públicas, um desconto a aplicar sobre os preços tabelados, no valor de 15% em todos os tratamentos de estética e 20% em todos os tratamentos de aparatologia efectuados no Essentials Day Spa Bairro Azul -- Clínica Médica e Estética, bem como 5% de desconto na aquisição de produtos cosméticos. De referir, que os descontos já referidos não poderão ser acumulados com outros descontos que sejam concedidos a outras entidades, ou com promoções e/ou campanhas.

A Essentials Day Spa -- Clínica Médica e Estética oferece diversos serviços, nomeadamente consultas de medicina estética e reconstrutiva (consultas médicas de Cirurgia Plástica, botox, preenchimentos, peelings), Diagnóstico e Acompanhamento Nutricional, Psicologia Clínica, consultoria de imagem, programas específicos para pós-operatório, programas de emagrecimento, adelgaçamento e anti-celulite, cavitação (lipoaspiração não invasiva), radiofrequência, programas de tratamentos estéticos faciais (rejuvenescimento, anti-idade, hidratação e nutrição), tratamentos específicos masculinos, rituais de massagem holísticos, rituais de envolvimento corporal, rituais hidroterapêuticos, Fotodepilação e depilação tradicional, manicura, pedicura, make up, permanente, extensão de pestanas, entre outros, tendo, igualmente, disponíveis cheques prenda, personalizados à medida.

Neste sentido, remeto uma apresentação dos serviços disponibilizados pela Essentials Day Spa -- Clínica Médica e Estética, solicitando a divulgação pelos respectivos trabalhadores.

Com os melhores cumprimentos,

Raúl Capaz Coelho
Secretaria-Geral do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
Secretário-Geral


É de referir que há mesmo um Secretário Geral e que o mail veio pelas vias oficiais.

terça-feira, março 23

País de sacanas? 

É muito fácil criticar. Há até na crítica um certo sentimento de irmandade, solidariedade e compreensão mútuas. As pessoas encontram-se na crítica, como se encontram com os amigos: de forma acrítica. Mas não se encontram nas soluções para os problemas e termina aí a ilusão da aparente comunhão de ideias. Jorge de Sena a todos zurze com violência, mas, embora pareça querer ficar de fora, como que a dizer "eu sou diferente", não o consegue (ou não quere). É isso o mais humano e genial deste poema típico de crítica consensual...


Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?
Todos os são, mesmo os melhores, às suas horas,
e todos estão contentes de se saberem sacanas.
Não há mesmo melhor do que uma sacanice
para poder funcionar fraternalmente
a humidade de próstata ou das glândulas lacrimais,
para além das rivalidades, invejas e mesquinharias
em que tanto se dividem e afinal se irmanam.

Dizer-se que é de heróis e santos o país,
a ver se convencem e puxam para cima as calças?
Para quê, se toda a gente sabe que só asnos,
ingénuos e sacaneados é que foram disso?

Não, o melhor seria aguentar, fazendo que se ignora.
Mas claro que logo todos pensam que isto é o cúmulo da sacanice,
porque no país dos sacanas, ninguém pode entender
que a nobreza, a dignidade, a independência, a
justiça, a bondade, etc., etc., sejam
outra coisa que não patifaria de sacanas refinados
a um ponto que os mais não são capazes de atingir.
No país dos sacanas, ser sacana e meio?
Não, que toda a gente já é pelo menos dois.
Como ser-se então nesse país? Não ser-se?
Ser ou não ser, eis a questão, dir-se-ia.
Mas isso foi no teatro, e o gajo morreu na mesma.

Jorge de Sena (1973)

sábado, março 20

Contagem da falta que fazem uns quinhentos médicos que se reformam 

Por estes dias gerou-se o pânico nacional. O caso foi bastante falado na Rua dos Retroseiros: quinhentos médicos vão pedir a reforma. E, como fazem falta, a Pátria citando o orgulho nacional e o Camões, pede-lhes que voltem a ser contratados de novo, ficando a ganhar quase o dobro do que ganhavam antes, mantendo ainda o inalienável direito de queixar-se por serem maltratados...

Ora, se podem e querem reformar-se que o façam; não violentemos as suas vontades. Não, não! Contratemos antes médicos espanhóis ou de países onde há excesso destes profissionais. Os custos serão talvez idênticos e assim não ficarão a fazer falta na privada.

Esta novela portuguesa da falta de médicos é tanto ou mais ridícula quanto aqui em Portugal, em nome da qualidade, tudo parece ser feito para que não aumentem as vagas nas faculdades de medicina. E, como não aumentam as vagas, não se consegue acabar com esta crónica falta de médicos. E também não se tem uma saudável concorrência na qual os piores profissionais (que também os deve haver) deixariam de poder parecer fazer falta. Estranha coisa: em nome da qualidade talvez se estimulem as condições para a sua diminuição.

No entanto, a novela tem mais episódios; o número de médicos dividido pelo número de habitantes encontra-se a níveis médios europeus. Se calhar temos é falta de organização, não de médicos. Mas, ó miséria, como poderemos saber se assim é se somos mesmo desorganizados?

Esta contagem é ficção pura. Realidade são as paráfrases do Eça em alguns dos itálicos.

This page is powered by Blogger. Isn't yours? Weblog Commenting by HaloScan.com