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domingo, março 25

O fantasma do rei Leopoldo 

Uma história de voracidade, terror e heroísmo na África colonial. Um livro de Adam Hochschild, edição da Caminho, 2002, com tradução de Manuel Ruas.

O rei Leopoldo queria uma colónia. Para isso fez-se passar por filantropo e manobrou exploradores e governos. Prometeu acabar com o que restava da escravatura (providencialmente nas mãos dos mouros) e levar o comércio livre e o progresso a um suposto estado livre do Congo, o qual, na realidade, ficou sua propriedade. No entanto, em 1890, Edmund Morel, leal súbdito britânico a trabalhar para a companhia Holandesa que tinha a exclusividade do comércio com o Congo, dá conta de que os barcos trazem marfim e borracha, mas apenas levam armas e oficiais. Descobre assim o que alguns, mas poucos, já haviam encontrado: que vigorava no Congo um sistema de trabalhos forçados recorrendo a voluntários, que, estima-se hoje, haveria de causar milhões de mortos. Morel horrorizado não se conformou e iniciou assim uma das primeiras campanhas humanitárias à escala planetária, a qual contou com o apoio, entre outros, de Conan Doyle e Mark Twain. O livro é vibrante e pelo meio ainda deparamos com Conrad e a certeza de que o senhor Kurtz e o Coração das Trevas são afinal muito mais do que ficção.

Este livro mostra bem os mecanismos de como se podem alardear cinicamente as melhores intenções e praticar inpunemente as piores acções. Mas, com algum optimismo, mostra também que um punhado de pessoas decididas, mesmo não estando ligadas ao poder, pode mudar alguma coisa (infelizmente nem sempre para melhor). Este livro retrata também muito bem o espírito da época, ainda não completamente desaparecido, em relação a África e aos africanos, mostrando as suas contradições e hipocrisias. Por exemplo, um heróico missionário americano continua afinal a ser tratado como um cidadão de segunda no seu próprio país. Também, como os maus tratos e as mutilações (os tristemente famosos cortes de mãos e cabeças) eram quase sempre realizados por africanos, simultaneamente vítimas e carrascos, há muito espaço para as boas consciências dos brancos. Por outro lado, com a suposta indolência dos africanos se justificavam pela via moral os trabalhos forçados. Mas não se pense que os massacres e os trabalhos forçados existiam apenas no Congo: também os havia nas outras colónias com igual violência. E não se pense que só os outros têm esqueletos nos armários. Basta abrir um dos nossos, ainda não muito antigos, livros de história para encontrar todo um conjunto de pacificadores das tribos africanas...

Este texto não tem imagens, mas a internet está cheia de fotografias relacionadas com o Congo do rei Leopoldo.

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