<$BlogRSDUrl$>

sexta-feira, outubro 17

Embalagens: propaganda das empresas e comodismo do consumidor 

Devido às pressões sociais as empresas têm uma grande necessidade de justificar perante o público que os seus produtos respeitam o ambiente e a saúde dos consumidores. E embora não duvide que as empresas se esforcem por melhorar os impactos para o ambiente, e para a saúde, dos seus produtos, o principal objectivo das empresas é sempre a maximização dos lucros. Por isso, inscrevem nas suas embalagens indicações sobre a reciclagem, números de telefone para informação, ou fazem mesmo campanhas promocionais. Por vezes tudo isto se aproxima muito da desinformação e da manipulação, quando não da fraude mais ou menos disfarçada, muitas vezes com a passividade de quem tem obrigação de chamar a atenção para isso.

As crianças e os educadores bem intencionados, sempre receptivos a fazerem o que puderem para melhorar o ambiente, são as primeiras vítimas deste tipo de desinformação e manipulação. Senti isso com os meus filhos, numa exposição da Tetra Pak sobre reciclagem das suas embalagens que esteve no Continente de Coimbra o mês passado. Na altura pedi mais informação que ainda não chegou. De qualquer forma, devido à minha formação, acabei por estudar o assunto com mais atenção.

Nas embalagens Tetra Pak usadas em Portugal podemos distinguir dois tipos: as mais comuns de sumos e leite UHT, feitas de papel, polietileno e alumínio, e as de leite do dia feitas de papel e polietileno. De acordo com a tal exposição e com o que li, o primeiro tipo de embalagens Tetra Pack pode ser reciclado através de separação da pasta de papel, que pode ser novamente utilizada, seguido da valorização por queima dos restos de pasta de papel e do polietileno, sendo nesse processo o alumínio oxidado ao material do qual havia sido obtido, o óxido de alumínio. Em termos energéticos este processo não parece ser muito vantajoso, tanto mais que o principal desperdício na preparação das embalagens vem da produção de alumínio a partir do seu óxido. Talvez a reciclagem do papel da embalagem possa ter vantagem, mas falta-me informação sobre o processo, sobre os químicos usados e sobre a sua eficiência (pedi informação mas não a recebi). Além disso o papel, ao contrário do vidro, não pode ser reciclado indefinidadamente.

A aglomeração, após fragmentação das embalagens, para a obtenção de placas ou objectos moldados, sempre me pareceu a forma de reutilização que à partida parecia ser mais vantajosa. No entanto, em termos dos gastos energéticos e dos custos sociais alguns especialistas consideram que é mais vantajoso não fazer a separação selectiva destas embalagens, quer o destino final escolhido seja a incineração, quer seja o aterro sanitário. E isso talvez não seja uma boa notícia para a empresa, porque pode começar a suspeitar-se que os seus produtos não são amigos do ambiente e talvez seja por isso que fazem esta campanha e outras que têm aparecido na comunicação social.

Quanto às embalagens em geral, a melhor opção parece ser o uso de garrafas de PET reutilizáveis (sim aquelas de plástico de água e de sumos), seguida das de vidro reutilizáveis. As garrafas de PET reutilizáveis ainda não estão em uso em Portugal, embora cada um as possa fazer reutilizáveis, não as pondo no lixo, voltando a usá-las. Entre as embalagens de vidro para reciclar e as latas, quer de alumínio quer de ferro, ganham claramente as latas. Entre as latas de alumínio e de ferro (distinguem-se com um íman), as primeiras gastam mais energia na sua produção mas são mais finas (usam menos alumínio), enquanto as de ferro têm de ser protegidas com verniz. A diferença em termos ecológicos parece não ser significativa, embora as de ferro sejam mais fáceis de separar. As embalagens de tipo Tetra Brik, de polietileno e papel, parecem ser melhores, em termos ambientais, claro, que as de vidro reciclável. Um estudo que as põe perto das de vidro reutilizáveis não me oferece credibilidade. Quanto às embalagens Tetra Pak que contêm alumínio, provavelmente serão melhores que as de vidro recicláveis.

Tudo isto é algo simplista porque nem todos os alimentos podem ser postos nos mesmo tipo de embalagem. Mas não deixa de ser interessante verificar que as embalagens de vidro reutilizáveis são melhores, em termos ecológicos, que as Tetra Pack, mas quase ninguém pôe leite em embalagens de vidro reutilizáveis, porque o consumidor se habituou a considerar as embalagens Tetra Pack muito mais cómodas, resistentes e higiénicas. A falta de lógica disto pode ver-se com o vinho embalado em garrafas de vidro. E, finalmente, a irracionalidade do consumismo e do desperdício encontra-se no facto das garrafas de vinho não serem reutilizáveis como foram em tempos.

Mais informação (sem ser exaustivo) Reduce, Reuse, Refill, Evaluation costs of directive 94/62/EC e os comentários a este estudo. Há também uma tese de mestrado portuguesa sobre o assunto das embalagens de Paulo Jorge Trigo Ribeiro. É um estudo exaustivo que vale a pena ler, e cujas conclusões são algo diferentes das que escrevi acima.

(e ainda um textos das Terras do Nunca que não tem nada que ver com a reciclagem ou a reutilização dos pacotes de leite UHT, mas fala de outra vertente do tema: a nostalgia de um mundo natural e a nossa relação com os produtos que consumimos.)

[20 de Outubro de 2003, 9:30 Ainda sobre este tema tinha-me escapado de forma imperdoável uma interessante discussão que o Rui do Adufe tem arquivada]

[14 de Fevereiro de 2011 Não mudei muito de opinião em relação a este assunto, mesmo após a chegada da documentação da Tetra Pack uns meses depois de ter escrito este texto. Sobre a nostalgia dos sabores do passado leia-se o que escrevi em Novembro de 2010. Hoje em dia, felizmente, é muito mais fácil encontrar leite não UHT.]

Comments: Enviar um comentário
This page is powered by Blogger. Isn't yours? Weblog Commenting by HaloScan.com