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sábado, novembro 13

O sabor dos bons velhos tempos 

"Mesmo quando protesto contra o fabrico em linha de produção da nossa comida (...) não esqueço que eram raros os lares em que se cozia, nos velhos tempos, bom pão. Os cozinhados da minha mãe eram, salvo excepção, pobres; o bom leite não pasteurizado era tocado por moscas e pedaços de estrume a formigar de bactérias; os velhos tempos saudáveis eram salpicados por dores, mortes súbitas provocadas por causas desconhecidas; a doce fala que eu choro era o fruto da iliteracia e da ignorância. Mas faz parte da natureza humana (...) protestar contra a mudança, em particular contra a mudança para melhor", John Steinbeck, citado em Morton Satin, Alerta! Perigos na alimentação (Prefácio, 2001).

É indiscutível que graças ao desenvolvimento tecnológico no processamento dos alimentos, em geral, e ao controlo de qualidade e à química, em particular, a alimentação é hoje muito mais segura que nos bons velhos tempos que refere Steinbeck. As legítimas suspeitas de que um aditivo possa causar alergias ou ser potencialmente cancerígeno não devem fazer esquecer que este possa estar lá para evitar um mal muito maior: a intoxicação alimentar ou a infecção que podem ser fatais. E se há suspeitas, outro aditivo, ou outro processo de produção acabará por ser descoberto, tornando o alimento ainda mais seguro.

E quanto ao sabor dos velhos tempos? Suspeito, tal como Steinbeck, que as coisas antigamente não deveriam ser assim tão saborosas. Um processamento empírico, mas ignorante das suas razões e a conservação deficiente não deveriam originar lá grande coisa. Por exemplo, a generalidade dos vinhos eram zurrapas que podiam nem sequer ser feitas de uvas. Também não havia grande cuidado com a origem; no início do século, Portugal chegou a exportar vinhos para fazer Bordéus! As carnes eram conservadas em salgadeiras insalubres, os presuntos caseiros ganhavam quase sempre larvas, os chouriços excessivamente defumados eram autênticas bombas cancerígenas; no leite não pasteurizado e excessivamente gordo a brucelose e o carbúnculo espreitavam; as pessoas às vezes têm saudades de coisas que não gostariam de voltar a ter...

No entanto há alguns casos bem comprovados de alteração de sabor, por exemplo nos maracujás! Os espectros de massa dos maracujás actuais e os dos bons velhos tempos mostram uma diferença significativa [1]. A manipulação genética ao longo dos tempos por cruzamento de variedades e a criação de híbridos foi alterando o sabor destes frutos. E isso até deve ser mais comum do que se possa pensar; as árvores e arbustos dos quais comemos frutos têm uma tempo de vida relativamente curto e talvez não seja de esperar que as frutas tenham o mesmo sabor hoje que antigamente. Uma coisa é certa: não se pode esperar grande sabor de frutas e legumes apanhados verdes a milhares de quilómetros, ou produzidas fora de época em estufas para satisfazer não sabemos que tontice...

[1] Ben Sellinger, Chemistry in the marketplace, 4th ed (HBJ, Sydney, 1989) pp. 220-222.

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