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quarta-feira, março 1

Os Desastres de Sofia e as Estruturas do Acaso 


A Sofia dos Desastres, da Condessa de Ségur, faz muitas asneiras, é castigada, arrepende-se, faz outras asneiras, e o ciclo recomeça. Naturalmente, com as amarguras das Meninas Exemplares e das Férias, aprende o suficiente para romper esse ciclo, ganhar juízo, não sendo consequentemente imoral terminar num happy end de felicidade reencontrada, um padrão inevitável num livro infantil, que tem que transmitir optimismo e fé nos valores estabelecidos.

Os desastres são próprios do mundo da infância, uma fase necessária porque nascemos imaturos (muitos sê-lo-ão — ou sê-lo-emos? — pela vida for a …), e é necessário um período largo de treino, de lições da vida, para aprendermos a reconhecer os padrões prováveis, eventualmente a modificá-los, a alargar a nossa compreensão do que nos rodeia e a tomar decisões.E uma parte importante das lições da vida é que a maior parte das decisões importantes são tomadas sob incerteza, sem domínio completo da informação que seria relevante para poder decidir bem. Crescer é, também, aprender que a incerteza está presente em tudo aquilo que nos rodeia. É, sobretudo, aprender que essa incerteza pode ser domada, delimitada, que podemos abstrair os padrões mais prováveis, pressupor a verdade antes de a conhecer, e consequentemente desenvolver métodos para decidir racionalmente mesmo em condições adversas.

O desenvolvimento da Probabilidade e da Estatística respondem a essa necessidade de
dominar o que é incerto e efémero, transformando a informação em Sofia, no sentido original de conhecimento. Os antigos alquimistas procuravam a pedra filosofal capaz de transformar o chumbo em ouro. Os construtores da Ciência de hoje sabem que os dados de que dispõem são uma ténue poeira que se agita na superfície da realidade — e que a tarefa é não só evitar que essa poeira encubra a essência das coisas, como, pelo contrário, que a revele; a pedra fisosofal é apenas uma metáfora deste nosso empreendimento, individual e colectivo, de transformar a poeira dos dados no ouro do conhecimento.

Mas para isso é preciso saber ler os dados, e a montante disso, ainda, saber que nem todos os dados prestam, e por isso aprender como obter os que prestam. A Estatística é uma espécie de canivete suisso, a que vamos sempre acrescentando novas ferramentas para abordar um mundo cada vez mais complexo. Todos lidamos com a incerteza, e em menor ou maior quota todos precisamos de saber utilizar, ao menos parcialmente, esse canivete. Porque se não soubermos, como procuraremos exemplificar nesta conversa, vamos contribuir para que ocorram mais alguns desastres à Sofia.


Abstract da conferência a proferir pelo Prof Dinis Pestana no Ciclo Despertar para a Ciência, 16 Março, 15 h Auditório da Reitoria UC.

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