quinta-feira, fevereiro 2
A Escola (II)
A história que vou contar passa-se nos anos 60 numa aldeia das serranias. Foi-me contada no último verão pelo patriarca da família. Nessa aldeia havia quintas que ficavam distantes da sede da freguesia de oito, dez, doze quilómetros. Nessas quintas havia crianças em idade de irem à escola. Na Primavera ou Verão as crianças lá chegavam à escola sem maiores dificulades do que umas pernas cansadas e às vezes uma barriga a dar horas. Mas, quem conhece aquelas serras pode imaginar o que passavam os cachopos, que não teriam mais de dez anos, alguns seis ou sete, durante os longos meses de Inverno.
Contava-me o velho que a quinta dele era a mais longínqua e que os filhos de Inverno tinham medo daqueles caminhos - e quem não teria? noite, nevoeiro cerrado, os lobos não eram só imaginação – e que por isso ele, o pai, os acompanhava até encontrarem os miúdos de outra quinta. E depois lá iam, em “rebanho”.
Á tarde, já escuro o pai punha-se de novo a caminho para esperar os filhos na encruzilhada. E que os aguardava debaixo de um castanheiro, e não imagina a menina o frio que por lá passei. De vez em quando ouvia-se os gritos dos quinteiros, de uns para os outros, “Já os vês? Já lá vêm?”. Um dia, o pobre homem, cansado de se ver a ele e aos filhos naquela vida foi ter com um compadre que morava na povoação, explicou-lhe das suas razões e que em troca de um saco de batatas e de uma garrafa de azeite e do mais que fosse preciso lhe pedia para ele, pelo menos nos dias de mais tempestade,dar de dormir aos filhos lá na casa da aldeia. E o compadre, que sim. Mas aos garotos não lhes agradou a cama estranha e veio o compadre da aldeia dizer ao da quinta que fosse lá buscar o saco das batatas e a garrafa de azeite porque os cachopos afinal nunca aproveitavam o ninho.
E lá voltou o homem ao abrigo do castanheiro. E a vontade que os filhos estudassem era muita e a seu tempo arranjou-lhes um quarto na cidade para eles fazerem o liceu. Os cachopos fizeram-se homens, um tirou um curso técnico o outro emigrou para o Canadá.
No início dos anos setenta já eram poucos os que viviam nas quintas, ainda me lembro dos ver aos domingos descerem a pé os caminhos da serra para virem à missa e à mercearia/taberna e a minha avó dizer “vêm aí os quinteiros”. As coisas tinham mudado, a junta de freguesia alugou um “táxi” para transportar as crianças das quintas para a escola.
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