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quinta-feira, fevereiro 9

Da Superioridade Moral da Civilização Europeia 

(título e sublinhados meus)
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O que me contou passou-se nos anos 50, na década que antecedeu a independência do Quénia, quando era jovem e membro do movimento Mau Mau. Falou-me de como foi preso pelas forças britânicas em campos de concentração diferentes, do tratamento brutal e desumano a que foi sujeito, de dezenas de outros prisioneiros a morrerem de fome e de maus-tratos. Certa vez, foi tão barbaramente espancado que lhe partiram dois ossos da perna esquerda. Como, depois, não lhe proporcionaram qualquer tipo de assistência médica, as fracturas não sararam devidamente e nunca mais deixou de coxear.

Escutei-o com todo o respeito que qualquer história de sofrimento merece, mas fiquei com a impressão de que as memórias daquele ancião estavam embaciadas, azedadas, e que a sua visão da história era bem pior do que o que realmente tinha acontecido. O domínio colonial britânico não podia ter sido tão cruel, ter desrespeitado de forma tão flagrante todas as leis internacionais!

Mas estava errado. Ao visitar uma biblioteca para saber mais sobre o movimento Mau Mau, descobri um livro publicado no início do ano passado que, de algum modo, me passou despercebido. Britain’s Gulag, the brutal end of empire in Kenya (O Gulag britânico. O brutal fim do império no Quénia), da historiadora Caroline Elkins, abriu-me os olhos.



O Gulag britânico



Francis Karega é apenas um do milhão e meio de kikuyus que experimentaram na própria carne o lado sádico da «missão civilizadora» dos soldados britânicos. O livro narra como, em resposta à ameaça Mau Mau, o governo colonial britânico organizou um sistema de campos de concentração e aldeias protegidas que foi de longe o pior de sempre em África. Neste sistema repressivo, torturas desumanas, descritas com eloquentes e terríveis pormenores pelas vítimas e por uns quantos torcionários arrependidos, eram algo de comum e quotidiano. A narrativa é corroborada por uma impressionante quantidade de provas. E as estatísticas finais, que a autora consegue fundamentar solidamente, são chocantes.

O levantamento Mau Mau, uma revolta armada dos Kukuyus, que se ergueram em massa para exigir a devolução das suas terras e da sua liberdade, esbarrou na resposta draconiana dos Britânicos, que não estavam dispostos a abandonar uma das melhores zonas agrícolas de África. Embora, através de uma bem-sucedida campanha nos meios de comunicação, os Britânicos tenham conseguido convencer o mundo que estavam a lutar contra selvagens sub-humanos, a realidade é bem diversa: enquanto os Mau Mau, durante os quase dez anos que durou a sua rebelião, não mataram mais de 50 cidadãos britânicos, os ingleses exterminaram aí uns 200 mil kikuyus, e provavelmente muitos mais.

Foi possível ocultar a verdade devido a uma estranha cooperação: em primeiro lugar, antes da independência, os funcionários coloniais britânicos empenharam-se em destruir toda a documentação sobre os campos de concentração e o tratamento ministrado aos Mau Mau; depois, a nova liderança queniana, simbolizada pelo primeiro presidente Jomo Kanyatta, achou conveniente esquecer a questão Mau Mau e cultivar a amizade dos ex-opressores.

RENATO KIZITO SESANA

Continue a ler na Além-Mar (Ventos do Sul)

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