quarta-feira, abril 6
Da arte de ensinar - As Pitangas
Li recentemente estes escritos de um pedagogo brasileiro, Rubem Alves*. Uma reflexão sábia sobre o ensinar e o aprender.
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Eu era menino. Ao lado da casa onde morava, havia uma casa com um pomar enorme que eu devorava com os olhos, olhando sobre o muro. Pois aconteceu que uma árvore cujos galhos chegavam a dois metros do muro se cobriu de frutinhas. Eram pequenas, redondas, vermelhas, brilhantes. Pitangas. A simples visão daquelas frutinhas provocou o meu desejo. Eu queria comê-las. Provocada pelo meu desejo, minha máquina de pensar se pôs a funcionar.
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Se eu não tivesse visto e desejado as frutinhas, minha máquina de pensar teria permanecido parada. Imagine que a vizinha, ao ver os meus olhos desejantes sobre o muro, com dó de mim, me tivesse dado um punhado de pitangas. Nesse caso, também minha máquina de pensar não teria funcionado. Meu desejo teria se realizado por meio de um atalho, sem que eu tivesse tido necessidade de pensar.
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Mas o desejo continuou e minha máquina de pensar tratou de encontrar outra solução: “Construa uma maquineta de roubar pitangas”. ...
Peguei um pedaço de bambu. Mas um braço comprido de bambu sem uma mão seria
Inútil: as pitangas cairiam. Achei uma lata de massa de tomates vazia. Amarrei-a com um arame na ponta do bambu. E lhe fiz um dente que funcionasse como um dedo que segura. Feita a máquina apanhei todas as pitangas que quis e satisfiz o meu desejo.
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Imagine agora que eu, mudando-me para um apartamento no Rio de Janeiro, tivesse a ideia de ensinar ao menino meu vizinho a arte de fabricar maquinetas para roubar pitangas. Ele me olharia com desinteresse e pensaria que eu estava louco. No prédio não havia pitangas para serem roubadas. A cabeça não pensa naquilo que o coração não pede. Anote isso: conhecimentos que não são nascidos do desejo são como uma maravilhosa cozinha na casa de um homem que sofre de anorexia.
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*excertos ... na “Pais & Filhos”
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