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quarta-feira, novembro 24

O Sonhador 

Quando Peter Fortune tinha 10 anos, os adultos diziam muitas vezes que era uma criança “difícil”. Peter nunca percebeu o que isso significava. Não se sentia nada difícil. Não atirava garrafas de leite aos muros do jardim, não despejava ketchup por cima da cabeça a fingir que era sangue, nem sequer dava com a espada nos tornozelos da avó, embora às vezes essas ideias lhe passassem pela cabeça. Tirando os legumes (excepto as batatas), o peixe, os ovos e o queijo, comia tudo. Não era mais barulhento, mais porco ou mais estúpido do que as pessoas que conhecia. Tinha um nome fácil de dizer e de soletrar. O seu rosto, pálido e sardento, era facílimo de fixar. Ia todos os dias para a escola como as outras crianças e nunca refilava por causa disso. Limitava-se a ser tão monstruoso para a irmã como ela era para ele. A polícia nunca veio bater-lhe à porta para o prender. Nunca apareceram médicos de bata branca a quererem interná-lo num manicómio. Segundo lhe parecia, era uma pessoa até bastante fácil. Que haveria nele de difícil?



Ian McEwan “O Sonhador” Edição da Gradiva

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