sexta-feira, outubro 22
Reflexão sobre os media
Agora que tanto se fala de jornalismo – regulação/autoregulação, vale a pena ler e meditar no artigo que se segue. Os cortes (por demasiado extenso) e sublinhados são meus.
Há duas espécies de jornalismo: um elevado, que dá uma visão de conjunto, e outro baixo e veloz, fornecendo imagens de detalhes que se desvanecem. Jornais que nas parangonas das primeiras páginas de hoje não mencionam nada do que se passou ontem e a edição de amanhã esquecerá as notícias de hoje pertencem ao último tipo de jornalismo. É um jornalismo que nunca aprofunda nenhum tema, que tenta vender notícias chocantes e trepidantes às audiências. Porque será que tantos jornalistas preferem a segunda maneira de desenvolverem a profissão? A quem é que beneficia? Quem quer um jornalismo baixo: o editor, o director, os jornalistas ou os leitores?Foram estes os tópicos discutidos durante um seminário de três dias em que tomei parte numa visita à Itália. Entre os 250 participantes, contavam-se alguns dos melhores jornalistas italianos à mistura com intelectuais e estudantes.
…
As opiniões dos participantes eram variadas. Foi dito que quando somos inundados com notícias, perdemos a noção daquilo que é realmente importante. É frequente falar-se de guerras, mas normalmente não sabemos as suas causas e o que vai acontecer quando a guerra acabar. A Somália é disso um luminoso exemplo. Desapareceu completamente dos noticiários, apesar de a sua situação não ser melhor que há dez anos quando foi durante muitos meses o assunto principal dos jornais mundiais. Alguns patrões de órgãos de comunicação social querem que as pessoas comprem e consumam em vez de serem cidadãos responsáveis. A imagem está a adquirir cada vez mais importância. Os políticos têm sucesso, não porque prosseguem políticas boas mas porque são actores bem-parecidos.
Finalmente, alguns dos participantes pensavam que a qualidade do jornalismo não se avalia a partir de critérios de jornalismo elevado ou baixo, mas a partir do factor rapidez. O bom jornalismo é lento, no sentido em que se delonga a dialogar com as pessoas, especialmente os marginalizados, escuta as vozes mais fracas e apresenta o pano de fundo da história.
Fome de escândalos
Não nos surpreende que haja tantos lamentos sobre o mau jornalismo. A globalização está a fazer com que os órgãos de comunicação social sejam quase iguais em todo o mundo. Muitos dos aspectos, positivos e negativos, têm correspondência aqui no Quénia, onde, como em qualquer lugar, às vezes acontece que os jornais preferem saciar o desejo de escândalos, o apetite insaciável de mexericos, a atitude de «culpar sempre o outro», em vez de dar informação séria.
A imprensa tem de ter cuidado sobretudo em não cair em generalidades e preconceitos, porque estas atitudes abrem as portas a discriminações e racismos de todo tipo. Por exemplo, se se fala genericamente dos «americanos» ou dos «luos» ou dos «padres italianos» e se lhes cola uma série de generalidades, comete-se uma injustiça grave e inicia-se um processo que facilmente pode conduzir a preconceitos sociais e discriminações. Se me permitirem um exemplo tirado dos meus escritos, na semana passada, quando denunciei os comentários racistas de um ministro italiano, não caí em generalizações. Chamei o homem pelo nome e fui claro que o considerava racista, mas não porque era italiano ou ministro. Ele é racista por aquilo que pessoalmente diz ou faz.
…
O papel da reflexão
É verdade que a base de trabalho do jornalismo são factos e eventos descritos da forma mais exacta. Contudo, a reflexão sobre os factos e eventos também pode ser bom jornalismo. Os directores publicam cada vez mais comentários, provavelmente devido às exigências dos leitores. Não é, portanto, só bom jornalismo mas também um indicador do amadurecimento crescente da opinião pública.
No seguimento de um escândalo sexual profusamente reportado e em certo sentido criado pelos media, o ministro da Informação, Raphael Tuju, foi citado dizendo que «temos que ir criando lentamente em nós um espírito de jornalismo responsável para assegurar que as editoras dos media mantenham sempre a credibilidade».
De facto, não há alternativa a uma informação livre. Pode errar, exagerar, prosperar em escândalos, fazer reportagens irresponsáveis com alegações não provadas. É um preço elevado a pagar, mas vale a pena. Responsabilidade, bom senso e noticiar correctamente não podem ser impostos pela lei. No melhor dos mundos possíveis poderíamos ter uma comunicação social totalmente livre e responsável. Mas esse não é certamente o nosso.Há duas maneiras de colaborar no aparecimento de uma comunicação social mais livre e responsável. Um dos caminhos é recorrer aos tribunais quando publicam matérias falsas ou não provadas, embora esta opção não seja viável para a maioria de nós. O segundo é a auto-regulação. ...
RENATO KIZITO SESANA in Além-Mar Outubro 2004
Há duas espécies de jornalismo: um elevado, que dá uma visão de conjunto, e outro baixo e veloz, fornecendo imagens de detalhes que se desvanecem. Jornais que nas parangonas das primeiras páginas de hoje não mencionam nada do que se passou ontem e a edição de amanhã esquecerá as notícias de hoje pertencem ao último tipo de jornalismo. É um jornalismo que nunca aprofunda nenhum tema, que tenta vender notícias chocantes e trepidantes às audiências. Porque será que tantos jornalistas preferem a segunda maneira de desenvolverem a profissão? A quem é que beneficia? Quem quer um jornalismo baixo: o editor, o director, os jornalistas ou os leitores?Foram estes os tópicos discutidos durante um seminário de três dias em que tomei parte numa visita à Itália. Entre os 250 participantes, contavam-se alguns dos melhores jornalistas italianos à mistura com intelectuais e estudantes.
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As opiniões dos participantes eram variadas. Foi dito que quando somos inundados com notícias, perdemos a noção daquilo que é realmente importante. É frequente falar-se de guerras, mas normalmente não sabemos as suas causas e o que vai acontecer quando a guerra acabar. A Somália é disso um luminoso exemplo. Desapareceu completamente dos noticiários, apesar de a sua situação não ser melhor que há dez anos quando foi durante muitos meses o assunto principal dos jornais mundiais. Alguns patrões de órgãos de comunicação social querem que as pessoas comprem e consumam em vez de serem cidadãos responsáveis. A imagem está a adquirir cada vez mais importância. Os políticos têm sucesso, não porque prosseguem políticas boas mas porque são actores bem-parecidos.
Finalmente, alguns dos participantes pensavam que a qualidade do jornalismo não se avalia a partir de critérios de jornalismo elevado ou baixo, mas a partir do factor rapidez. O bom jornalismo é lento, no sentido em que se delonga a dialogar com as pessoas, especialmente os marginalizados, escuta as vozes mais fracas e apresenta o pano de fundo da história.
Fome de escândalos
Não nos surpreende que haja tantos lamentos sobre o mau jornalismo. A globalização está a fazer com que os órgãos de comunicação social sejam quase iguais em todo o mundo. Muitos dos aspectos, positivos e negativos, têm correspondência aqui no Quénia, onde, como em qualquer lugar, às vezes acontece que os jornais preferem saciar o desejo de escândalos, o apetite insaciável de mexericos, a atitude de «culpar sempre o outro», em vez de dar informação séria.
A imprensa tem de ter cuidado sobretudo em não cair em generalidades e preconceitos, porque estas atitudes abrem as portas a discriminações e racismos de todo tipo. Por exemplo, se se fala genericamente dos «americanos» ou dos «luos» ou dos «padres italianos» e se lhes cola uma série de generalidades, comete-se uma injustiça grave e inicia-se um processo que facilmente pode conduzir a preconceitos sociais e discriminações. Se me permitirem um exemplo tirado dos meus escritos, na semana passada, quando denunciei os comentários racistas de um ministro italiano, não caí em generalizações. Chamei o homem pelo nome e fui claro que o considerava racista, mas não porque era italiano ou ministro. Ele é racista por aquilo que pessoalmente diz ou faz.
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O papel da reflexão
É verdade que a base de trabalho do jornalismo são factos e eventos descritos da forma mais exacta. Contudo, a reflexão sobre os factos e eventos também pode ser bom jornalismo. Os directores publicam cada vez mais comentários, provavelmente devido às exigências dos leitores. Não é, portanto, só bom jornalismo mas também um indicador do amadurecimento crescente da opinião pública.
No seguimento de um escândalo sexual profusamente reportado e em certo sentido criado pelos media, o ministro da Informação, Raphael Tuju, foi citado dizendo que «temos que ir criando lentamente em nós um espírito de jornalismo responsável para assegurar que as editoras dos media mantenham sempre a credibilidade».
De facto, não há alternativa a uma informação livre. Pode errar, exagerar, prosperar em escândalos, fazer reportagens irresponsáveis com alegações não provadas. É um preço elevado a pagar, mas vale a pena. Responsabilidade, bom senso e noticiar correctamente não podem ser impostos pela lei. No melhor dos mundos possíveis poderíamos ter uma comunicação social totalmente livre e responsável. Mas esse não é certamente o nosso.Há duas maneiras de colaborar no aparecimento de uma comunicação social mais livre e responsável. Um dos caminhos é recorrer aos tribunais quando publicam matérias falsas ou não provadas, embora esta opção não seja viável para a maioria de nós. O segundo é a auto-regulação. ...
RENATO KIZITO SESANA in Além-Mar Outubro 2004
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