terça-feira, outubro 28
Algumas reflexões sobre os estudantes e a universidade
Recentemente, li na Rua Larga, revista da Reitoria da Universidade de Coimbra, um artigo que, partindo das publicações dos estudantes e dos seus escritos nas paredes e mesas das salas de aula, sugeria uma diminuição da sua imaginação em relação a épocas anteriores. Não gosto de paredes riscadas, mas reconheço que há algo de deliciosamente provocador em pelo menos dois dos textos que desfeiam as nossas paredes: "Há vida inteligente na universidade?" e "Isto já não é o que nunca foi!"
Quanto às publicações, como a Rua Larga é uma revista bonita com muito bom design, ocorreu-me logo uma hipótese pouco provável, mas que me pareceu um bom começo de reflexão: quando as intituições (ab)usam do design moderno nas suas publicações, aos que estão de fora, para se distinguirem e contestarem, talvez só reste apresentar um design bisonho e conservador. Além disso, há a questão do orçamento. Um só número da Rua Larga custará provavelmente mais do que um rebanho anual de Cabras.
Creio que a última grande publicação estudantil em Coimbra foi a luxuosa edição da Via Latina há cerca de dez anos. Uma edição já com um pé e mãos profissionais, que brilhou muito para em seguida se esfumar. Há cerca de duas décadas brilharam na Academia algumas publicações ligadas a organismos estudantis, a Teatrouniversitário e a Música em Si, que contaram com a colaboração de designers como Delfim Sardo, António Barros e outros. Hoje temos, por exemplo, a NUDA dos estudantes de arquitetura, com pouca ou nenhuma cor é certo, mas apresentando um grafismo aceitável. Se compararmos estas revistas separadas por tantos anos, vamos lá encontrar os mesmos tiques e os mesmos deslumbramentos, mas também o mesmo empenhamento e a mesma entrega.
Para que os estudantes, enquanto sujeito colectivo, pareçam ter imaginação, basta que alguns a tenham. A boçalidade sempre existiu, hoje é apenas mais visível. A televisão faz questão de a mostrar todos os dias em horário nobre. A praxe estúpida ou a estupidez da praxe não é nada de novo. O fim das tradições académicas com o luto académico é de certa forma um mito. A única coisa que parou durante alguns anos foi o folclore público. Mas uma coisa é certa, antigamente os ditos caloiros resistiam mais às sevícias, que eram bem mais estúpidas e duras que as cantorias e a puerilidade dos "sexo, orgia... electrotecnia" E se antigamente os estudantes eram quase obrigados a usar um uniforme, sempre houve alguns que o recusavam, tal como muitos recusavam as praxes. Não no sentido burocrático de hoje (de recusar oficialmente a praxe), mas no da resistência, por vezes violenta, quase sempre corajosa. Em contrapartida, actualmente todo este folclore anacrónico e superficial parece estranhamente natural e poucos o questionam.
Não embarco em teses de degenerescência ou de decadência. Há hoje mais pessoas na universidade. Temos um fenómeno de massificação. Que a cultura geral na universidade diminuiu é uma tese e uma constatação de senso comum. Alan Bloom discute e defende esta tese a propósito dos EUA na sua "Cultura Inculta". Mas, tal como nos EUA, não é só na universidade que isso acontece, é em toda a sociedade. Não para o cidadão médio, para o qual a cultura aumentou, pelo menos em Portugal, mas para as supostas elites para as quais esta parece ter diminuido.
Quanto às lutas estudantis que nos têm indignando, creio que têm muito que se lhe diga. O principal problema das instituições democráticas, para os jovens contestatários, é que os mecanismos lícitos de protesto se vão tornando cada vez mais burocratizados. Além disso, sendo a argumentação e a retórica as únicas armas que se devem usar, estas são normalmente arrasadoras nas mãos de políticos experientes. Como vencer uma luta que se pensa ser justa numa situação destas? Num estado democrático não faz sentido usar cadeados ou impedir o funcionamento dos orgãos democráticos, invadindo as suas reuniões, recusando o diálogo usando adesivos na boca. Mas, ao sentirem que perderiam no campo da argumentação, mesmo que a sua luta seja justa, os estudantes recorrem a formas radicais de não ouvir, ver ou discutir. Tem alguma lógica e é paradoxal que a médio e longo prazo sejam talvez mais lembradas estas lutas que todas as retóricas que se lhes foram contrárias.
Quanto às publicações, como a Rua Larga é uma revista bonita com muito bom design, ocorreu-me logo uma hipótese pouco provável, mas que me pareceu um bom começo de reflexão: quando as intituições (ab)usam do design moderno nas suas publicações, aos que estão de fora, para se distinguirem e contestarem, talvez só reste apresentar um design bisonho e conservador. Além disso, há a questão do orçamento. Um só número da Rua Larga custará provavelmente mais do que um rebanho anual de Cabras.
Creio que a última grande publicação estudantil em Coimbra foi a luxuosa edição da Via Latina há cerca de dez anos. Uma edição já com um pé e mãos profissionais, que brilhou muito para em seguida se esfumar. Há cerca de duas décadas brilharam na Academia algumas publicações ligadas a organismos estudantis, a Teatrouniversitário e a Música em Si, que contaram com a colaboração de designers como Delfim Sardo, António Barros e outros. Hoje temos, por exemplo, a NUDA dos estudantes de arquitetura, com pouca ou nenhuma cor é certo, mas apresentando um grafismo aceitável. Se compararmos estas revistas separadas por tantos anos, vamos lá encontrar os mesmos tiques e os mesmos deslumbramentos, mas também o mesmo empenhamento e a mesma entrega.
Para que os estudantes, enquanto sujeito colectivo, pareçam ter imaginação, basta que alguns a tenham. A boçalidade sempre existiu, hoje é apenas mais visível. A televisão faz questão de a mostrar todos os dias em horário nobre. A praxe estúpida ou a estupidez da praxe não é nada de novo. O fim das tradições académicas com o luto académico é de certa forma um mito. A única coisa que parou durante alguns anos foi o folclore público. Mas uma coisa é certa, antigamente os ditos caloiros resistiam mais às sevícias, que eram bem mais estúpidas e duras que as cantorias e a puerilidade dos "sexo, orgia... electrotecnia" E se antigamente os estudantes eram quase obrigados a usar um uniforme, sempre houve alguns que o recusavam, tal como muitos recusavam as praxes. Não no sentido burocrático de hoje (de recusar oficialmente a praxe), mas no da resistência, por vezes violenta, quase sempre corajosa. Em contrapartida, actualmente todo este folclore anacrónico e superficial parece estranhamente natural e poucos o questionam.
Não embarco em teses de degenerescência ou de decadência. Há hoje mais pessoas na universidade. Temos um fenómeno de massificação. Que a cultura geral na universidade diminuiu é uma tese e uma constatação de senso comum. Alan Bloom discute e defende esta tese a propósito dos EUA na sua "Cultura Inculta". Mas, tal como nos EUA, não é só na universidade que isso acontece, é em toda a sociedade. Não para o cidadão médio, para o qual a cultura aumentou, pelo menos em Portugal, mas para as supostas elites para as quais esta parece ter diminuido.
Quanto às lutas estudantis que nos têm indignando, creio que têm muito que se lhe diga. O principal problema das instituições democráticas, para os jovens contestatários, é que os mecanismos lícitos de protesto se vão tornando cada vez mais burocratizados. Além disso, sendo a argumentação e a retórica as únicas armas que se devem usar, estas são normalmente arrasadoras nas mãos de políticos experientes. Como vencer uma luta que se pensa ser justa numa situação destas? Num estado democrático não faz sentido usar cadeados ou impedir o funcionamento dos orgãos democráticos, invadindo as suas reuniões, recusando o diálogo usando adesivos na boca. Mas, ao sentirem que perderiam no campo da argumentação, mesmo que a sua luta seja justa, os estudantes recorrem a formas radicais de não ouvir, ver ou discutir. Tem alguma lógica e é paradoxal que a médio e longo prazo sejam talvez mais lembradas estas lutas que todas as retóricas que se lhes foram contrárias.
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