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domingo, agosto 10

O fogo é bom 

Alguém vá por mim consultar as estatísticas e analisar os números certos mas lembro-me que o número de incêndios por causas naturais é pequeno, tipo 10%. O número de incêndios cuja ignição é humana é grande, tipo os restantes 90%. Destes o número menor é para os causados por mão criminosa, tipo 20%. Ficam os restantes para a negligência e causas indirectas com uns expressivos 70%.

As causas naturais são quase exclusivamente a trovoada seca. À mão criminosa todos sabem o que fazer. Os procedimentos sem negligência ensinam-se em campanhas mediáticas e ao que li são dominados pelos cigarros negligenciados (se vasculharem na memória encontram uma campanha que passou na então solitária RTP mostrando uma mata às costas de um cigarro, ela preta, como ele). As causas indirectas referem-se à poluição, lixos abandonados nas orlas ou na floresta, etc.
Há então muito espaço para actuar ao nível da prevenção e sensibilização da população. Aqui reside a primeira culpa. Do estado porque não sensibiliza, da população porque não previne. É claro que a causa mais falada é a do fogo posto, naturalmente porque é revoltante mas também porque des-responsabiliza o povo e o estado.
Depois de prevenir e sensibilizar restam ainda 10% de fogos com causas naturais, portanto eu e outra pessoa somos inexoravelmente levados a olhar para as consequências de cada incêndio.

O fogo bom existe na natureza 'apenas' desde que há natureza, muito antes, na escala-geológica do tempo, de o homem ser sequer um projecto de um amontoado de células. O fogo bom existe há 1000000000 anos (mais zero menos zero) por isso é de esperar que a natureza esteja bem habituada a ele. Mais do que suportá-lo como um fardo, alguns ecosistemas necessitam do fogo para se livrarem de pragas, como gerador de oportunidades, para rejuvenescer.
As florestas autóctones de Portugal, as folhosas (carvalhos, nogueiras, castanheiros, etc, salvo erro) estão particularmente bem adaptadas ao fogo. Penso que uma mata contínua de pinheiros só com muito esforço de limpeza resiste ao fogo e quanto aos eucaliptos talvez nada seja suficiente. Os terrenos cultivados ou de um modo geral sem árvores, ou têm espécies resistentes ao fogo ou pelo menos os fogos aí são fáceis de apagar.
Encontrámos a segunda culpa. Porque temos nós por aqui estas árvores que não nos pertencem? Quem decidiu transformar (e manter) o país num paiol de pólvora. Os eucaliptos são, também (tristemente) pela capacidade de combustão, petróleo verde. Pinheiros e eucaliptos quando ardem ainda podem ser usados nas empresas de celulose, desde que cortados e acondicionados antes das chuvas que os apodrecem. A lei mais odiosa do mundo decide que este excesso repentino de oferta há-de provocar uma diminuição do preço, os pequenos proprietários florestais que já perderam, perdem outra vez, e o cheiro da celulose aumenta. E a segunda culpa é arrebatada pelo estado porque não regula, não planta, deixa plantar, deixa a tal lei actuar.
Como e em que cricunstâncias as folhosas resistem e agradecem aos fogos? Basta que a floresta não esteja demasiado suja de matos. Estando demasiado suja, as altas temperaturas tornam inviável a sobrevivência de qualquer árvore e muito difícil o controlo do incêndio. Uma maneira de limpar é pelo fogo! O fogo bom. Aqui está outra culpa e é do estado e de toda a gente, porque quase ninguém limpa mata nenhuma. Só aqui aparece a culpa de quem não limpa, mas eu e outra pessoa achamos que nem sequer é justo responsabilizar os poucos que ainda vivem no campo pela limpeza dos terrenos que já foram pisados por muitos mais do que são hoje. Achamos que o estado tem culpa porque pode, e deve, incentivar os rebanhos promovendo ao mesmo tempo a alternância de zonas de floresta com pastos. Pode, e deve, ajudar a tornar a actividade de limpeza das matas rentável (julgo que APENAS em Mortágua esses resíduos florestais são valorizados em energia).

Para terminar, a gestão do combate ao fogo, eu e outra pessoa, também achamos que é mal feita. Não há avaliação dos riscos, não há planos de emergência, não há forças de intervenção para além dos bombeiros e da tábua de salvação aérea. Toda esta culpa vai direitinha para o estado. Na era da informação, não temos uma rede nacional de detecção e acompanhamento de incêndios a funcionar, mas ela existe e foi financiada pelo estado. Na era da informação, a informação sobre as
posições no terreno diz-se por rádio, ou pior a força da combustão transmite-se ao orgão de comando por um auto de notícia escrito no formulário próprio. Os bombeiros não têm culpa, eles estão no terreno, os comandos não têm culpa, eles estão no centro de operações, só podem reagir às informações que têm. No século da ciência o estado investe nos doutoramentos dos investigadores mas não sabe nem quer usar o que eles fazem.

O estado somos todos nós. Eu e outra pessoa não bastamos. Eu, outra pessoa e muitas pessoas basta?

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