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domingo, agosto 17

INCÊNDIOS - perspectivas - passado e futuro 

Poderá talvez dizer-se que terá havido um tempo em que a vegetação que predominava era constituída por arbustos e ervas entremeados de árvores de porte não muito significativo - carvalhos, por exemplo.
A área ocupada por esta vegetação ardia quase que anualmente, sendo assim feita a limpeza dos terrenos.
Para lá dessa área haveria uma outra ocupada essencialmente por castanheiros, cultivada e protegida de modo especial, de modo a não arder, pois produzia aquilo que foi a base da nossa alimentação durante séculos - a castanha.
Talvez num só século (o XX) se tenham operado todas as mudanças que estão na base dos problemas actuais.
Processou-se a florestação de uma grande parte do território essencialmente através da expansão do pinheiro e essa política de disseminação do pinheiro terá sido aceite por toda a gente, só tendo sido criticada por demorada, insuficiente, parcial.
Estes pinhais, durante muito tempo eram rodeados por zonas cultivadas onde se faziam em Agosto imensas queimadas para limpeza de, v.g., restolhos, silvas e ramas de batateiras.
Tais queimadas não punham em perigo os pinhais porque ocorriam em zonas limpas onde o fogo não tinha qualquer hipótese de propagação.
Os próprios pinhais não ardiam significativamente porque eram cercados por zonas cultivadas e porque estavam permanentemente limpos - a sua rama, pinhas e caruma eram usadas para os mais diversos fins.
Quando ocorria algum incêndio em pinhais, toda a população acudia a apagá-lo, o que era feito com facilidade dado o estado de limpeza em que se encontravam os pinhais.

Quando é que tudo isto começou a alterar-se?

A partir dos anos sessenta, com a emigração em grande escala, com a introdução de novas técnicas (o uso do gás na feitura da comida) e com o desaparecimento de toda a espécie de animais (bois, cavalos, burros, machos, ovelhas, cabras).
As zonas cultivadas deixaram de o ser, gerando a continuidade necessária à propagação dos fogos, os pinhais deixaram de ser limpos, as ervas deixaram de ser tosadas pelos diversos animais.
Gerou-se o abandono generalizado, os incêndios começaram a tomar proporções cada vez maiores e incontroladas, as populações deixaram de acorrer a apagá-los e as pessoas começaram a lembrar-se de chamar as corporações de bombeiros que haviam sido criadas com a única finalidade de apagar fogos em casas (edifícios).
O abandono foi tão generalizado que até as próprias casas passaram a estar rodeadas de enormes matagais que as põem permanentemente em perigo. Ninguém (governo, autarquias, pessoas) foi capaz de tomar um mínimo de medidas necessárias (concretas, não jurídicas, não burocráticas) para pelo menos limpar junto das povoações - e, em vez disso, passou toda a gente a preocupar-se (à boa maneira inquisitorial) em encontrar os elementos perversos que intencionalmente estavam na origem de tanto mal.
E os culpados foram vários e para todos os gostos: em 74/75 - os fascistas; em fins de 75/76 - os comunistas; mais tarde, os madeireiros; depois, os pastores; também as avionetas - eu sei lá!
Chegámos assim ao inferno actual em que irresponsavelmente se continua na busca de bodes expiatórios.

O problema entretanto não se resolve.
Como poderá ele resolver-se?

É preciso dizer, sem margem para dúvidas que a solução não é, nem de perto nem de longe, fácil.
Uma evidência ressalta clara agora aos olhos de todos: é preciso tomar medidas para que casas isoladas, pequenas povoações, vilas e cidades deixem de correr qualquer risco quando ocorrerem os próximos incêndios: isto é possível, isto tem de ser possível.

Quanta incúria aqui das autarquias?
Para além disso o que será possível fazer mais?

Terá de ser também possível ter um cuidado especial com determinadas manchas florestais (pinhal de Leiria, serra de Sintra, Luso, Gerês).
Quanto a grandes zonas do país (florestas e, sobretudo, matagais), durante muito tempo não teremos outra hipótese que não seja deixar arder porque é impossível que a limpeza possa ser feita de outro modo.
Claro que os serviços de combate aos incêndios devem estar organizados de molde a reduzir ao mínimo os malefícios destes eventos.
Claro que deve pensar-se em fazer-se uso do próprio fogo para limpar, em reflorestar de um outro modo, em disseminar rebanhos de gado ovino e caprino, etc, etc, procurando as soluções que mais se adequem aos tempos actuais.
Mas isso vai levar mesmo muito tempo (gerações, talvez).

Enviado por JLM.
Nota: este texto foi também enviado para as cartas ao director, Público.

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