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quinta-feira, julho 3

Mais considerações sobre a obediência com maçã ao fundo 

O Nuno escreveu abaixo sobre o seguidismo na actual sociedade de consumo. Lembrei-me das perplexidades de La Boethe no "Ensaio sobre a servidão voluntária" e de Thoreau na "Desobediência civil" e em "Walden". Penso (mas posso estar iludido) que no tempo deles as coisa eram mais simples. Actualmente com a sociedade da informação e com o consumismo temos uma sociedade muito mais complexa. Todos são convidados e aliciados para uma espécie de cidadania alegre em vez de serem forçados a obedecer. A obediência já não é só para ser visível, mas também se espera vontade interior de obedecer. Estamos talvez mais perto de "1984" de Orwell do que julgamos.

É que já não parece haver ninguém a comandar. Criámos um sistema que está em perpétua adaptação, no qual, nós próprios, os meios de comunicação social e a publicidade são as caixas de ressonância da ordem para obedecer. No qual ninguém é inocente.

Até há pouco tempo a obediência surgia ou da tradição (porque sempre foi assim), ou da razão (porque é melhor para mim) ou do carisma (porque julgamos estas ideais ou este chefe os melhores). Actualmente podemos encontrar outro caminho para a obediência: a ilusão de que não estamos a obedecer. Nesse ponto, a publicidade há dezenas de anos que transmite a ideia paradoxal de "sermos cada vez mais nós próprios escolhendo os seus produtos." É a mentalidade solipsista e hedonista moderna que nos trai, julgando ter encontrado por sua própria e livre escolha a felicidade nos bens materiais que lhe foram sugeridos pela publicidade.

Tudo já está mais ou menos dito. Este tipo de conversa pode até ser mais uma forma de consumo tranquilizador e alienador da consciência. O que falta são tácticas para resistir à televisão, ao consumismo, ao prazer imediato e inconsequente, à pressa, aos estímulos constantes e frenéticos do mundo (tão potenciamente aberto e tão efectivamente fechado) que criamos e que nos rodeia. Ao desespero tranquilo de sermos cada vez mais objectos dos nossos objectos. Parar para ver as flores que crescem no passeio, as árvores da rua, as estrelas e planetas do céu, fazer umas sestas e cultivar a paciência, a reflexão, as virtudes simples. Escutar a poesia das crianças. Encontrar a eternidade num momento. Ser feliz partilhando com os outros. E não ter vergonha de dizer estas coisas por não serem modernas. E não estar sempre a dizê-las. Fazer uma festa com palavras simples e uma maçã apenas.


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